São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Ocupação do Líbano fortalece guerrilha Vizinhos enfrentam conflito constante
do enviado especial ao Oriente Médio Após passar pelo controle de passaportes no aeroporto internacional, o passageiro se depara com o cartaz do presidente sírio, Hafez Assad, pendurado na primeira coluna à vista. Numa jornada da capital ao sul do país, um comando do Exército sírio revista carros e checa os documentos dos viajantes. Na frente do Ministério da Defesa, soldados sírios acampam em tendas para se proteger do sol escaldante do verão mediterrâneo. O país, no entanto, não é a Síria. É o Líbano, que recebe hoje cerca de 35 mil soldados sírios. "Sofremos uma dupla ocupação", lamenta Dory Chamoun, presidente do Partido Nacional Liberal do Líbano: "No sul, os israelenses ocupam 10% do nosso território; o resto fica nas mãos da Síria." Os sírios afirmam não se tratar de uma invasão, mas de uma resposta ao chamado do governo libanês e de um esforço para estabilizar um país dilacerado por 15 anos de guerra civil entre muçulmanos, cristãos e drusos (religião derivada do Islã), responsável pela morte de 150 mil pessoas. "A Síria é um grande Estado e não podemos ignorá-la", diz Walid Jumblat, líder druso e integrante do governo do premiê Rafic Hariri, enquanto arruma as malas para passar um fim-de-semana nas montanhas perto de Beirute (capital). Em seu trajeto, ele deve passar por diversos prédios semi-destruídos, carcomidos pelas bombas e perfurados por rajadas de bala. Herança da guerra civil terminada em 1990. O violento conflito entre milícias significou o fim da hegemonia dos cristãos maronitas (igreja criada no Líbano por são Marun no século 4º), apesar da tentativa israelense, em 1982, de impor um governo-fantoche cristão, com a invasão na chamada operação "Paz para a Galiléia". Essa parte do plano fracassou. No entanto, as tropas do general israelense Ariel Sharon conseguiram um objetivo: expulsar do Líbano Iasser Arafat e seus guerrilheiros. Milícias cristãs, apoiadas por Israel, promoveram, ainda em 1982, os massacres de Sabra e Chatila, que mataram cerca de 500 palestinos. Apesar do custo em vidas humanas, Israel não obteve paz em sua fronteira norte. Continuou a sofrer ataques e, em 1985, arrancou uma faixa de cerca de 15 km no sul do Líbano, chamando-a de "zona de segurança". Os principais aliados dos EUA no Oriente Médio criavam seu próprio Vietnã. Só no ano passado, 39 soldados israelenses morreram, sobretudo em choques com o Hizbolah, uma organização fundamentalista apoiada pelo Irã e pela Síria. Os guerrilheiros islâmicos passaram a controlar a região junto à "zona de segurança" controlada por israelenses e por uma milícia cristã pró-Israel, impedindo até mesmo ações do Exército libanês. Conhecido antes como a Suíça do Oriente Médio, por causa de sua sofisticação cultural e pujança financeira, o Líbano se transformou num mosaico de milícias, guerrilhas e invasores que castigam o pequeno país de 3 milhões de habitantes. "Todos os dias, entre 6h e 6h30, acordamos com as bombas israelenses", conta Mohammad al Hussien, um agricultor que mora no vilarejo de Alamiriah, a 1,5 km da "zona de segurança". No teto de sua casa, em frente a um quartel das tropas de paz da ONU, tremulava uma bandeira brasileira. "Coloquei porque torço para a seleção de futebol do Brasil", diz. No mês passado, o governo Netanyahu propôs a saída das tropas israelenses do sul do Líbano. Sua condição, rejeitada por Beirute: que o Exército libanês garantisse o fim das ações de milícias como o Hizbolah. O governo do presidente Elias Hrawi sabe não reunir condições de oferecer as garantias exigidas por Israel. Dois motivos impedem-no: a ordem para o Hizbolah teria de vir de Damasco, o atual centro de decisões para Beirute, e a organização fundamentalista colhe apoio entre a população, ao oferecer escolas e hospitais construídos com dinheiro iraniano. Em Qana, cidade sob influência do Hizbolah, cartazes pregam a destruição do "inimigo sionista". Um pequeno cemitério numa das ruas centrais abriga os túmulos de guerrilheiros mortos em combate. Qana testemunhou, em 96, a morte de 106 civis, quando israelenses bombardearam um abrigo da ONU. Israel argumentou, inicialmente, que guerrilheiros usavam as instalações como esconderijo, mas depois disse que o bombardeio foi um "erro de cálculo". Os escombros transformaram-se num centro de peregrinação para grupos anti-Israel. Um cartaz afirma: "Qana, o novo Holocausto". As cicatrizes da guerra com o inimigo do sul ainda aparecem em Beirute. "Israel é um país do demônio", afirma Salim Jorbi, 20, nascido na capital libanesa em uma família que deixou Jaffa, território israelense, em 1948. À saída de uma mesquita em Beirute Ocidental, a parte muçulmana da cidade, Jorbi declara: "O profeta Maomé disse que não devemos fazer qualquer acordo com eles". Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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