Desmatamento zero é meta inevitável
Fórum em São Paulo discute o fim da destruição florestal como prioritário para o desenvolvimento sustentável do país e os muitos obstáculos que atrasam esse objetivo
Vários setores da sociedade, inclusive o empresarial, já se alinham com o pensamento de que, mais cedo ou mais tarde, o Brasil precisará adotar uma política de desmatamento zero.
O Fórum Desmatamento Zero, realizado pela Folha na segunda e na terça-feira (21 e 22), em São Paulo, mostrou que o que se discute, ainda, são aspectos para a aplicação dessa política, como a forma de cálculo da devastação ou o prazo para atingir a meta -não o objetivo em si.
É ponto pacífico que acabar com o desmatamento se mostra necessário e possível.
O governo federal resiste, contudo, a adotar o desmatamento zero em sentido forte. A meta atual do país é acabar apenas com o desmatamento ilegal até 2030.
Na opinião de Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima (uma rede de ONGs), o Brasil precisa ter meta mais ambiciosa.
"O desmatamento zero poderia ser parte dos compromissos nacionais do Brasil", disse o ambientalista. O país ainda precisa anunciar sua contribuição voluntária de redução de emissões de carbono para a Conferência de Paris, em dezembro.
Durante o fórum, Everton Lucero, chefe da Divisão de Clima, Ozônio e Segurança Química do Ministério das Relações Exteriores, afirmou, porém, que o governo não adotaria esse compromisso.
OBSTÁCULOS
Para chegar de fato ao desmatamento zero, o país ainda precisa vencer uma série de obstáculos, ressaltaram vários participantes do encontro. As barreiras vão da falta ou da fraqueza de políticas públicas para incentivar a proteção das florestas até a carência de financiamento para projetos de produção sustentável.
Os problemas começam já na tarefa de fiscalizar as propriedades rurais. Não existe no país um cadastro integrado, que possibilite o cruzamento de informações sobre regularização fundiária, pagamentos de impostos atualizados e respeito ao Código Florestal em cada fazenda, por exemplo.
Para Maria Lúcia Falcón, presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o Cadastro Ambiental Rural (CAR) -que deverá ficar pronto em 6 de maio de 2016- precisa ser unificado com os sistemas de cadastro de terras do próprio Incra e da Receita Federal.
"Como o CAR é autodeclaratório [informações prestadas pelo dono da terra], se você cruzar os dados com os demais cadastros, há mais precisão na informação", afirmou Falcón.
Ainda que se consiga uma fiscalização eficiente sobre o desmatamento nas propriedades, será necessário dar subsídios para tornar a "floresta em pé" economicamente mais vantajosa.
Na opinião de Bernard Appy, ex-secretário do Ministério da Fazenda e atual diretor do Centro de Cidadania Fiscal, é possível gerar incentivos melhorando a cobrança de impostos já existentes, como o ITR (Imposto Territorial Rural), e criando tributos próprios para atividades intensivas em carbono.
No entanto, quase tudo isso depende do governo federal e, também, de que o Congresso esteja bem alinhado com as noções de preservação e sustentabilidade. Não é bem o que se encontra hoje em dia em Brasília.
CADASTRO
O Cadastro Ambiental Rural é uma das principais esperanças, tanto do governo quanto de ambientalistas, para realizar a regularização das propriedades rurais do país.
Com os dados de um cadastro nacional obrigatório e georreferenciado espera-se que seja possível fazer uma melhor fiscalização do respeito ao Código Florestal.
Essa ferramenta, apontaram vários participantes do Fórum Desmatamento Zero, pode também ser útil para ampliar a receita com o ITR (imposto sobre propriedades rurais), hoje irrisória.
Como as informações do cadastro são fornecidas pelos proprietários da terra, é necessário fazer a verificação das informações relatadas -por exemplo, se a área inscrita como "consolidada" (desmatada há décadas) não estaria ainda dotada de cobertura florestal.
"A fragilidade dos cadastros é que eles são autodeclaratórios e [os dados] podem ser inconsistentes", afirmou Bernard Appy, economista do Centro de Cidadania Fiscal.
Se por um lado o cadastro pode ajudar no combate ao desmatamento ilegal, por outro poderá aumentar a derrubada legalizada da floresta.
"[O CAR] será uma revolução institucional nos órgãos ambientais. Mas pode ser usado para proteger ou para desmatar mais", afirmou o consultor Valmir Ortega.
Com o cadastro, proprietários que tenham áreas desmatadas abaixo do limite legal poderão mais facilmente reivindicar a derrubada de árvores em uma área maior.