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Entrevista da 2ª Carlos Queiroz

Luto pela afirmação do Irã, país apaixonado por futebol

Técnico do Irã, português reclama que sanções atrapalham o futebol iraniano e explica como a copa pode ajudar o país

SAMY ADGHIRNI DE TEERÃ

O português Carlos Queiroz, 60, assumiu a seleção iraniana há três anos com a missão de classificá-la para a Copa do Mundo no Brasil.

Cumprida a meta, Queiroz luta agora por outro objetivo: trazer orgulho e dignidade a um país com má fama e cuja qualificação para o Mundial gerou hostilidade --como por parte da Coreia do Sul.

Em entrevista à Folha, em Teerã, Queiroz disse comprar a briga do Irã, mas queixou-se das dificuldades de seu trabalho às vésperas do torneio, no qual enfrentará Argentina, Nigéria e Bósnia-Herzegóvina na fase de grupos.

Ele minimizou tensões pré-Copa no Brasil, dizendo que protestos são saudáveis e que atrasos nas obras não deveriam causar tanta preocupação, já que são comuns em grandes eventos.

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Folha - A federação iraniana reagiu depois que o senhor a criticou por não ter organizado nenhum amistoso de preparação para a Copa?

Carlos Queiroz - É impossível recuperar o jogo ou o treino que não se fez. Por isso impunha-se trazer esse problema à tona. Agora existe ao menos maior determinação para retomarmos o planejado. É a única maneira de termos participação honrosa e digna.

O Irã não tem os jogadores nem a experiência que outros países têm, mas podemos deixar a equipe bem preparada. Só isso pode nos levar a competir com esperança de atingir o único objetivo: a classificação para as oitavas.

É difícil trabalhar no Irã?

O futebol do Irã reflete dificuldades comuns ao resto da sociedade. A situação financeira é crítica. E, no futebol, o dinheiro fala. Se você for capaz de comprar um Neymar por € 90 milhões, fala mais depressa e fala melhor.

Falta de dinheiro prejudica infraestrutura, campos de treino, viagens, salários, planos... Afeta também a qualidade dos jogos de preparação. As melhores seleções cobram caro. Quem não tem recursos para bancar jogos privados fica em casa e não aprende com ninguém. Não são partidas com Tailândia ou Kuait que irão melhorar nosso rendimento.

Ou seja, as sanções sofridas pelo país afetam o futebol?

Sem dúvida. Mas há também um desgaste de imagem. O mundo tem uma apreciação errada do país. É preciso viver aqui para perceber que, no fim das contas, o Irã é um lugar como todos os outros. Pessoas choram, riem, levam filhos à escola, ficam presas no trânsito...

Seres humanos são todos iguais. Isso me inspira, porque vale a pena lutar pela afirmação de um país que está entre os mais apaixonados por futebol. O Irã não tem paixão artificial pelo esporte. Não é preciso promovê-lo, como nos países vizinhos do Irã ou nos Estados Unidos. O futebol está na alma dos iranianos.

A diferença cultural atrapalhou sua adaptação?

Não. Foi tudo muito simples para mim. Sempre achei que a vida é dos que se adaptam mais rápido, não dos mais fortes. Adaptar-se significa sermos capazes de entender a cultura e a identidade das pessoas.

O senhor está preocupado com a tensão no Brasil decorrente da Copa?

Não. É saudável que a sociedade viva alguma efervescência, porque é disso que surgem melhores patamares de vida, conforto e bem-estar.

Já estive em Jogos Olímpicos, campeonatos do mundo, feiras mundiais e posso dizer que essas manifestações fazem parte do pacote.

Mas eu tenho uma certeza em relação ao Brasil: quando a bola começar a rolar, será uma grande festa. Todo mundo vai se beneficiar.

Mas a preparação da Copa tem problemas concretos, obras muito atrasadas, Fifa pressionando...

Isso é comum em eventos desse porte. Na África do Sul, houve greves antes da Copa [de 2010]. Em Portugal, ninguém acreditava que os estádios ficariam prontos antes da Euro [em 2004]. Nos Jogos Olímpicos da China [Pequim-2008], todo mundo se lembra da polêmica acerca das obras.

A gente vai dar um jeitinho e a bola vai rolar. É normal que se faça barulho no período prévio para tirar melhor partido da situação.

Como vê a seleção brasileira?

Pelo que vi na Copa das Confederação, será, sem duvida, fortíssima candidata ao título. Joga bem, com consistência, norma, ordem, entusiasmo. O time conjuga três fatores: a enorme expectativa da nação pela vitória, a expectativa do próprio time e a qualidade dos jogadores. A equipe tem uma mestiçagem muito difícil de conseguir: identidade própria combinada com experiência internacional de todos os jogadores. O Felipão também traz essa bagagem, além de já ter dado uma Copa ao Brasil [2002].

Por que os técnicos brasileiros, salvo exceções, não emplacam na Europa?

A realidade do futebol europeu, sua dimensão, seu treino, sua intensidade de jogo são diferentes. Talvez seja um problema de adaptação à filosofia e ao jogo. Os argentinos se encaixam melhor.

Mas aconteceria o mesmo se treinadores europeus fossem trabalhar no Brasil. Seria muito difícil se adaptar à mentalidade e às nuances do futebol brasileiro. Em compensação, treinadores brasileiros dão certo no resto do mundo. E há casos de técnicos, como Paulo Autuori, que tiveram sucesso em Portugal.

O senhor trabalharia no Brasil?

Sonho há anos em treinar um clube brasileiro. Deve ser fantástico jogar com uma equipe na qual jogadores passam uma bola que sai redonda e chega redonda. Nós, treinadores, às vezes lidamos com situações em que a técnica de base não existe. Fazer uma orquestra tocar bem com pessoas que desafinam e não sabem os acordes básicos da musica é um milagre.

Por que votou no Messi para melhor do mundo, e não no Cristiano Ronaldo?

O voto que assinei representa a opinião coletiva do futebol iraniano, reunindo todos os treinadores do país da primeira divisão, de acordo com os critérios da Fifa. A decisão coletiva foi em favor do Messi, e eu preciso me subscrever a isso. Mas acho justo que os treinadores do mundo tenham premiado Cristiano Ronaldo. Esta é minha opinião pessoal.

Dito isso, é importante explicar algo que o grande público não percebe. O voto dos treinadores é feito com base em imagens e fatos. Se você for para a Tailândia ou África do Sul, as imagens da liga inglesa são muito mais fortes do que as do futebol espanhol. Se você for para o Qatar, que tem relação íntima com o Barcelona, as imagens do Messi são mais frequentes que as do Real Madrid. Estas questões influenciam o voto das pessoas.

Aquilo que é um critério de justiça para quem vê mais o Real Madrid e o Cristiano Ronaldo é um critério de injustiça para quem vê mais o Barcelona e o Messi.

Se pudesse naturalizar iraniano um jogador, quem seria?

O pé esquerdo do Messi e o direito do Cristiano [risos]. Esses jogadores não são humanos. Fazem-se controles antidoping, então deveria haver também controles para saber se os jogadores são humanos. Neymar, Ribéry e Robben também não são humanos.

Entre os humanos, quem realmente quero nacionalizar é o jogador da seleção iraniana. Quero a certeza de que este jogador está consciente da expectativa de 80 milhões de torcedores e da atenção com que o mundo vai olhar a participação do Irã, que não é muito querida nem foi bem recebida por certos países.


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