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Olho no telão

Jogo? Que nada, muitas mulheres que vão aos estádios estão preocupadas em ver e, mais que isso, em serem vistas

ROBERTO DE OLIVEIRA DE SÃO PAULO

Um surto de ansiedade e nervosismo expulsou Kaline Mateus, 24, da cama às 6h da última quinta (26). Despertou para pintar as unhas. Cochilou com as mãos esticadas para não manchar. Antes das 11h, banhou-se por uma hora, com direito a hidratação e "babyliss" (cachinhos) nos cabelos. Três horas depois, finalmente estava produzida.

Parecia noiva em dia de casamento, mas, na verdade, era dia de Copa. Sua estreia em jogo seria no Itaquerão.

O verde-amarelo das unhas combinava com a minissaia azul-marinho, a sandália rasteirinha preta e a camiseta do Brasil com o seu nome, "KALINE" -assim, em letras garrafais -, estampado nas costas. "Vai que apareço nos telões. Eu correndo o mundo!"

O rosto, embora pintado com as cores da seleção da Bélgica, guardava lugar para os tons brasileiros, que ornavam seus olhos, realçados pelo "nude" nos lábios. Era o mesmo uniforme da irmã, a estudante Ludmille, 19.

O "look" em sintonia era proposital. "Para chamar a atenção mesmo", revelou Kaline. "Pena que não vai passar na Globo. Queria tanto aparecer na TV!", reclamou Ludmille. Antes que ficasse amuada, a irmã mais velha apressou-se em confortá-la: "Mas a SportTV vai mostrar. Ainda temos chances. Aqui, a festa é o protagonista. O jogo é apenas coadjuvante".

Outra estreante no Mundial, a esteticista Beth Quintana, 32, decidiu homenagear não só a seleção como também o time do coração: na camiseta verde-amarela, um emblema do Corinthians e outro da CBF. "Putz, só que me esqueci de trazer uma faixa pedindo ao Galvão para me filmar." Questionada sobre os times que entrariam em campo, pausa... "Xi, não sei, não. Mãe, é a Coreia?"

'JOGO É CHATO'

Cristiane Americhi, 42, sabe de cor os times que estão nas oitavas de final da Copa. "Veterana", com três partidas do Mundial no currículo, a empresária se preparou com cinco dias de antecedência para assistir a mais um jogão: Argentina e Suíça, nesta terça (1º), em São Paulo.

As mulheres, apontadas por sites de apostas como as prováveis vencedoras de bolões pelo Brasil afora, nem sempre se sentem em terra firme dentro de estádios. "Vamos combinar, jogo é chato", disse. "Presto mais atenção à maquiagem, à elegância, às roupas e, é claro, a quem aparece nos telões do que àquilo que rola no gramado."

Apesar de se dizer "encantada com a Copa", Cristiane ainda não digeriu a revolta com a falta de um espelho grande no banheiro feminino do Itaquerão. Em sua avaliação, "o padrão Fifa pisou na bola". "Você pula, grita, se descabela. A gente precisa arrumar o cabelo, passar um batonzinho. Para mim, é o mesmo que ir a uma festa."

Mais que participar de um grande evento, a empresária Tatiana Laila Ventura, 30, teve seus 15 segundos de fama em sua primeira partida numa Copa. A paulistana foi entrevistada por uma TV japonesa, após a vitória de 2 a 0 da Holanda contra o Chile, na segunda (23). "Só entendi quando me perguntaram: 'Samba?' Aí, sambei", disse.

Dentro do estádio, a sensação não foi tão glamorosa. "Achei estranho não ter narração. Olhava mais para o telão do que para o campo."

Se o futebol ajudou a aproximar o Brasil branco do Brasil negro e mulato, como dizia Mário Filho (1908-1966), jornalista esportivo que empresta seu nome ao Maracanã, quem sabe esta Copa não estreite a relação entre as mulheres e o gramado?

TODA TELA VALE A PENA

Fernanda Genovez, 18, queria ver sua produção exibida nos telões do Itaquerão. Para isso, porém, faltava-lhe ingresso. Não se fez de rogada. "Vim para conhecer os gringos." E o seu inglês? "Faço sinal de 'pictures'", disse gesticulando como se clicasse uma máquina fotográfica.

"Este Brasil nunca esteve tão frequentado. Ainda mais a zona leste", constatou, acompanhada pela mãe, a corretora Katia de Paula Genovez, 45. "Tirei folga para ver a festa. Se aparecer na mídia, melhor. Quero muitos flashes na minha filha."

No meio daquela marcha vermelha, preta e, é claro, amarela, o estudante Pablo Lombarde, 18, também buscava os holofotes. Sem camisa, exibia no peitoral dois cartazes em folha sulfite. Um escrito em coreano, o outro em francês. Sem ingresso para a partida entre a Bélgica e a Coreia do Sul, Pablo saiu do centro e chegou o mais perto que pôde do estádio com um propósito: tirar fotos -era isso o que pedia nos cartazes.

Fotos com estrangeiros e brasileiros, meninos e meninas, vovôs e vovós, crianças e bichos. Quem não entendia perguntava, afinal, que diabos os anúncios queriam dizer. "Não tenho restrição, tampouco preconceito. Só quero tirar fotos", respondia.

O saldo veio à tona três horas e 17 segundos após Pablo desembarcar por ali: 75 fotos, que vão "percorrer o planeta e aparecer pelas redes sociais de gente do mundo inteiro". Com um sorriso desenhado no rosto, completou: "Não vou aparecer no telão, mas já fui para as telinhas".


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