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Opinião o futebol brasileiro depois do mundial

Fracasso na Copa do Mundo em casa é salutar

Derrota nos permite poupar anos de ilusão em torno da ideia de que somos bons e podemos continuar assim

HILÁRIO FRANCO JÚNIOR ESPECIAL PARA A FOLHA

A "Copa das Copas" prometida pela presidente da República terminou. Felizmente. Tudo indica que, se ela tivesse se prolongado, as frustrações ainda estariam se acumulando.

De fato, para a seleção brasileira ela não poderia ter sido mais medíocre, e a torcida intuiu isso desde o começo: a audiência do jogo inaugural da seleção na TV aberta caiu 20 pontos percentuais em relação a 2010.

Todo observador lúcido sabia que o elenco era fraco, que não existia um time propriamente dito, com padrão tático definido, e um comando técnico com alternativas claras para diferentes situações. Foi o que mostrou a humilhante derrota frente à Alemanha, que foi se avolumando sem que surgisse uma mudança tática adequada.

Ironicamente, esse desastre teria talvez sido evitado se a seleção tivesse sido desclassificada antes. Como merecia.

Moralmente ela foi a segunda colocada no seu grupo, já que beneficiada por um pênalti inexistente, um gol impedido e a anulação de dois gols legítimos do México na sua partida contra Camarões. Assim, nas oitavas de final o Brasil não deveria ter enfrentado o Chile (que quase nos eliminou), e sim a Holanda, que nos goleou na disputa pelo terceiro lugar.

A esperança de que o Maracanazo de 1950 fosse varrido para debaixo do tapete da história não apenas não aconteceu, como àquele trauma juntou-se o Mineirazo de 2014. É verdade que uma simples comparação, posição por posição, já mostrava que a geração de 50 era superior à atual. No entanto, podia-se legitimamente esperar que a experiência internacional dessa geração suprisse no plano mental e tático suas limitações técnicas.

Isso não aconteceu devido ao comando, que, de tão centrado na motivação, criou instabilidade emocional no grupo e abafou a bagagem tática que os jogadores traziam de seus clubes europeus.

TRUCULÊNCIA E PRETENSÃO

O essencial da questão, porém, não são nomes, e sim estrutura, modelo de trabalho. Não bastaria trazer um treinador estrangeiro, hipótese aliás muito interessante para arejar todo o sistema, mas infelizmente descartada pela CBF, se não lhe fosse dada autonomia, tempo e condições materiais, se o calendário do futebol nacional não fosse racionalizado.

Ou seja, embora a responsabilidade de Scolari no fracasso histórico de 2014 seja inegável, ela não é isolada.

Se faltou comando competente na seleção é porque ele falta na CBF e no governo. Abundam nos três planos truculência, arrogância e pretensão, a capacidade gerencial escasseia.

A confederação é uma corporação fechada que defende interesses de pequenos grupos, raramente os do futebol brasileiro. O partido do governo e seus aliados passam o tempo a tentar aumentar seu poder e distribuir cargos, não a governar em prol da nação.

O problema é comportamental, cultural, daí não ter sido superado nas décadas entre o Maracanazo e o Mineirazo --o modo de ser coletivo do brasileiro continua baseado no improviso, no jeitinho, nas meias soluções de última hora. Não conseguimos ou não queremos antecipar uma dificuldade. Só vamos pensar nela quando estiver grande e a solução for mais difícil ou mais cara.

De toda forma, se um dos objetivos era propagandear o país no exterior, ele foi alcançado. Hoje o mundo tem a comprovação de que somos um país muito rico, pois construímos um estádio em Manaus para quatro partidas da Copa e praticamente nada depois (cada jogo custando portanto R$ 150 milhões!), o mesmo em Cuiabá (R$ 125 milhões), Natal (R$ 100 milhões) e, já que o estatuto de capital merece, Brasília, onde cada um dos sete jogos consumiu R$ 285 milhões!

Além disso, a televisão de muitos países divulgou o "pitoresco" dos morros cariocas com suas favelas, vielas labirínticas e miséria. A criatividade brasileira ganhou um público bem mais largo graças à cena aérea que correu o mundo mostrando um arrastão na praia de Copacabana que deixou centenas de turistas sem carteira, celular, máquina fotográfica e relógio.

Graças a dez torcedores ingleses agredidos por um grupo de nativos, muita gente no exterior pôde tomar conhecimento dos modernos e bem equipados hospitais nacionais. Pena que todo esse espetáculo não tenha atraído tantos turistas estrangeiros quanto merecia, pois, se eles foram bem mais numerosos que na África do Sul em 2010, foram bem menos que na Alemanha em 2006.

CONHEÇA O BRASIL

Contudo, como toda viagem é aquisição de conhecimento, nossos visitantes puderam aprender bastante sobre o Brasil.

Como etnógrafos, constataram que a atração nacional é mais por etiquetas do que por conteúdos, por exemplo ficaram sabendo que na "Cidade Maravilhosa" acontecem 5.000 assassinatos por ano, dos quais 8% são investigados e menos ainda chegam a julgamento.

Como sociólogos, assistiram a várias cenas de um patriotismo quadrienal que encontrou uma nova via de expressão no hino nacional cantado com furor.

Como linguistas, perceberam que as hipérboles são especialidade brasileira: Thiago Silva é "o melhor zagueiro do mundo", Neymar é "um novo Pelé", o Brasil é "o país do futebol" etc.

Como psicólogos, notaram a ciclotimia nacional que alterna momentos de grande entusiasmo com outros de clara depressão.

Não seria correto, portanto, diminuir o alcance do evento. Os R$ 33 bilhões gastos pela sociedade brasileira para sediar a Copa fizeram a felicidade de muita gente. No plano esportivo, além da campeã Alemanha, os torcedores de Bélgica, Chile, Colômbia, Costa Rica e México puderam se orgulhar de suas seleções terem apresentado futebol mais consistente que o dos brasileiros.

A verdadeira festa, porém, fizeram alguns políticos, empreiteiros e dirigentes, certos meios de comunicação de massa e o Corinthians, que em mais de um século de história não teve competência para construir estádio próprio e ganhou um graças a manobras de bastidores e ao dinheiro público.

Sim, o Brasil perdeu a Copa jogada em casa. Mas isso é salutar, permite-nos economizar alguns anos de ressaca e ilusão de que somos bons em alguma coisa (supérflua) e podemos continuar a sermos como somos. Não podemos. Não devemos.


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