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Argentina revive elo entre ditadura e Copa

1978
Julgamento de general e depoimento de peruano expõem ligações entre política e futebol no Mundial

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

No último dia 23, o general Jorge Rafael Videla, 86, o mais sanguinário dos ditadores do regime militar argentino (1976-1983), sentou-se, mudo, num tribunal de Buenos Aires. Estava algemado e com aspecto circunspecto.

Desde 2008, Videla cumpre em cárcere comum pena de prisão perpétua por crimes contra a humanidade. A Justiça argentina continua julgando-o por casos pontuais.

Nessa ocasião, Videla ficou calado enquanto ouvia a acusação de ter participado do sequestro de um grupo de 13 peruanos em 1978, presos políticos do regime do ditador Francisco Morales Bermudez, que foram transferidos para centros clandestinos de detenção na Argentina.

O sequestro teve implicações além da política. Pelo menos é o que sustenta o ex-senador e escritor peruano Genaro Ledesma Izquieta.

À Justiça argentina Izquieta, um dos sequestrados, afirma que Videla teria aceito receber os presos em troca do resultado de 6 a 0 a favor da Argentina na Copa de 1978.

Para seguir adiante no Mundial, os argentinos precisavam vencer o Peru por uma diferença de quatro gols.

"Sabíamos que precisávamos de um milagre. Mas, quando aconteceu, simplesmente acreditei que era um milagre. Se eu soubesse que essa ditadura estava matando e usando o resultado do Mundial para promover sua imagem, jamais apoiaria", conta o jornalista e colunista da Folha John Carlin, que é inglês, mas passou a adolescência na Argentina.

Para o jornalista argentino Ricardo Gotta, autor do livro "Fuimos Campeones" (Edhasa), a conexão entre o sequestro e o resultado faz sentido, mas faltam provas concretas.

"O certo é que houve pressão psicológica e dinheiro envolvido, mas não de forma direta. Jogadores peruanos se transferiram para a Europa sem ter qualidade para isso. Dá para pensar numa estratégia de compra de resultado, mas é só uma hipótese."

Para Gotta, uma das coisas que mais influenciaram os jogadores peruanos para perder aquela partida foi a presença naquele dia, no vestiário, do próprio Videla.

"Os jogadores ficaram aterrorizados, isso se nota nas declarações que dão até hoje", diz. E cita principalmente Juan Carlos Oblitas, a estrela do grupo, que é também o que mais deu declarações polêmicas depois da Copa.

O resultado de 6 a 0 tirou o Brasil da competição. "A Argentina tinha equipe para ser campeã. Mas a questão de como a ditadura atuou deixa tudo nebuloso e coloca em questionamento a qualidade dos jogadores", afirmou.

O juiz Norberto Oyarbide continua colhendo testemunhos sobre o caso dos 13 peruanos. Seu principal objetivo não é investigar a possível "compra" do jogo, mas um possível vínculo da ditadura peruana com a Operação Condor, esquema armado entre os países do Cone Sul para perseguir opositores às ditaduras além das fronteiras.

Izquieta diz que o objetivo dos repressores era fazer com que o grupo fosse atirado no Rio da Prata. Porém pressões de grupos de direitos humanos teriam feito com que os presos fossem enviados para a França e lá, libertados.

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