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José Roberto Torero

A primeira preleção

'Será que eu devia ter pintado o cabelo? E esta roupa? Não era melhor um terno ou um agasalho?'

Vou entrar. Mais um minuto e vou entrar. Mas antes preciso pensar no que que eu vou dizer. Esse discurso é muito importante. Essa preleção define tudo. É agora que a gente sabe se vai ter o time na mão ou não. A primeira impressão é a que fica.

Acho que o melhor é eu usar o estilo ditador. Os jogadores gostam deste tipo de técnico. Gostam de ser mandados. E os dirigentes também acham bom. Assim não têm que pensar em nada. E depois é só botar a culpa em mim. Isso mesmo, vou entrar e falar: "Acabou a farra! Este time agora tem comando. Eu vou mandar e vocês vão obedecer. Futebol é hierarquia!".

Hum... não sei não. É um time pequeno, deve ter muito jogador jovem. Eles podem acabar ficando com medo de mim. E aí é que não vão jogar nada mesmo. Acho que o melhor é fazer o estilo paizão. Aquele que dá tapinha nas costas e conta piada. É isso mesmo. Vou chegar e dizer: "Olha, quero que vocês falem comigo sobre tudo. Eu estou aqui para ajudar. Não quero ser só um técnico, quero ser um amigo".

Pensando bem, o paizão pode parecer meio molenga. E os caras estão quase sendo rebaixados. Já são molengas o suficiente. Talvez seja melhor eu fazer o tipo científico e falar: "Eu estive estudando vocês e minhas estatísticas mostram que a futebolidade do time está muito fraca. A atacância anda muito rarefeita, enquanto a defesa possui uma permeabilidade perigosa".

Não, bobagem. Os caras nem vão entender o que eu vou dizer. Melhor dar uma de neoliberal: "Olhei a folha de pagamento de vocês. Não serve nem para usar como papel hi..., como guardanapo. Vocês são uns miseráveis, ganham muito mal. Comigo, só com os bichos vão receber o dobro. Afinal, a gente está aqui para quê? Para ganhar dinheiro. E só ganha dinheiro quem ganha jogos!".

Que nada, pode pegar mal. O presidente do clube vai estar na preleção e pode pensar que eu sou um interesseiro. Acho que o melhor é ganhar autoridade falando do meu curriculum. "Eu já estive neste time, naquele, fui vice no campeonato de tal lugar, ganhei a copa do Estado de tal...". Mas pode parecer que eu sou velho. E ninguém gosta de técnico velho. Será que eu devia ter pintado o cabelo? E devo pedir para ser chamado de professor ou deixo eles me chamarem pelo nome? Bom, vou entrar e pronto. Na hora eu sinto o clima e improviso.

Pronto, entrei. Mas o que é isso? Por que eles estão rindo tanto? E por que estão apontando para mim? Droga, minha braguilha está aberta. E logo hoje eu tinha que botar a calcinha da Marili...

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