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Dúvida eterna

Ídolo cubano, morto aos 60, Stevenson nunca abriu mão do amadorismo para pegar Ali

France Presse
Stevenson recebe a medalha de ouro na Olimpíada de Moscou, em 1980
Stevenson recebe a medalha de ouro na Olimpíada de Moscou, em 1980

EDUARDO OHATA
DO PAINEL FC

A luta é parelha, mas, ao fim de três assaltos, é o braço do cubano Teófilo Stevenson que é erguido. Da mesma forma, é possível imaginar Muhammad Ali empregando suas pernas para se afastar do perigo e ganhar o duelo.

De tantas superlutas que ocupam o imaginário dos fãs, foi justamente essa, de protagonistas cujas carreiras caminharam paralelas, que não aconteceu apesar de insistentes ofertas milionárias.

Desde a década de 70, especialistas e fãs debatem quem venceria o épico combate entre Stevenson, que morreu anteontem, de complicações cardíacas, e Ali. O tricampeão olímpico contra o tricampeão profissional.

Esse, aliás, era o principal empecilho para que o combate se materializasse: o boxe dos Jogos Olímpicos é o amador. Naquela época, ainda mais rígido, não se permitia nem salário aos atletas.

Ali e Stevenson eram os últimos sobreviventes em suas arenas: Ali havia batido "Smokin" Joe Frazier, Sonny Liston, George Foreman e Ken Norton, entre outros.

Todas as esperanças americanas tombaram aos pés de Stevenson, começando por Duane Bobick, em 1972, e terminando com Alex Garcia, em 86. Sua lista de vítimas teria ainda os futuros campeões profissionais Tony "TNT" Tubbs, em 78, Michael Dokes, em 75, e John Tate, em 76. E incluiu também Tyrell Biggs.

Em dado momento, a discussão se tornou inevitável e tomou um contorno político.

Os cubanos, comunistas, vislumbravam o triunfo de seu campeão. Era um símbolo do governo ditatorial de Fidel Castro, que na época vivia uma realidade distante das deserções comuns hoje.

Já os americanos, capitalistas, acreditavam em Ali.

"Em três assaltos [limite olímpico dos combates], Stevenson vence", defendiam os moradores da ilha de Fidel.

"Se ele [Stevenson] quer provar algo, que enfrente Ali em 15 assaltos [limite de assaltos em que disputas por cinturões aconteciam]. Ele não é tão bom, por isso não passa ao profissionalismo", era o que diziam nos EUA.

FIEL À REVOLUÇÃO

Apesar de empresários dos EUA terem oferecido muito dinheiro a Stevenson para deixar Cuba, ele se recusou a abandonar o "comandante".

A proibição para que Stevenson perdesse a condição de amador, o que ocorreria caso disputasse uma luta profissional, partiu de Fidel.

Enfim, no fim da década de 80, foi costurado um acordo entre promotores, o governo de Cuba e a Aiba (Associação Internacional de Boxe Amador) que, finalmente, colocaria frente a frente Ali e Stevenson em combates, nos EUA, com regulamento híbrido.

Foram planejados cinco combates, diários, ao longo de uma semana, com a duração de três assaltos cada um.

Ali receberia uma bolsa de R$ 3 milhões e Stevenson, R$ 1,5 milhão, que seria destinado ao governo. O pacote incluía 50 cadeiras ao lado do ringue, 50 passagens de primeira classe e igual número de quartos em hotel de luxo.

Porém, segundo uma publicação cubana, houve um problema: Ali não sabia do acordo e, ao ser consultado, recusou. Ele teria dito que tinha tudo a perder e nada a ganhar ao encarar Stevenson.

Foi assim que uma das superlutas mais esperadas na década de 80, e com potencial para ser uma das maiores de toda a história, acabou restrita à imaginação de aficionados e dos especialistas.

Apesar de, após a aposentadoria, o cubano, que ocupou cargos no governo, ter sido descrito como alcoólatra por jornalistas que conseguiram entrar em Cuba, sua fidelidade à causa sobreviveu.

Durante entrevista em 98, um comentarista de TV perguntou a ele sobre suas mãos. E ouviu a resposta: "Olhe para elas, veja como estão. Sabe para o que são? Defender a revolução e o comandante".

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