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Trauma eu?

Há 30 anos, Brasil sofreu a mais dolorosa derrota em Copas, mas não saiu uma lágrima do meu olho

PAULO COBOS
EDITOR-ADJUNTO DE “ESPORTE”

Eu tinha 12 anos, idade parecida com a dos garotos flagrados por câmeras fotográficas se derramando em lágrimas que viraram símbolo da derrota do Brasil no Sarriá.

Não comigo. Não saiu nem uma lágrima do meu olho naquela tarde calorenta de Barcelona. Achei que não era o caso de choro mesmo.

Mas não passei insensível por aquela seleção. Foi por causa daquele time, e principalmente do Doutor (Sócrates), que eu aprendi a amar futebol de verdade, que eu quis ser "jornalista de futebol" (já que minha intimidade com a bola beirava o zero, o que impedia o sonho de jogar pela seleção).

E foi graças ao meu pai, que gastou suas economias com minha viagem, e a meus três irmãos, que não ficaram com ciúme pela "escolha de Sofia" do velho (a grana não dava para todo mundo), que vi o que para mim continua a ser o melhor time de todos os tempos -e vivi uma experiência inesquecível.

Não bastasse ver o Brasil numa Copa, ainda presenciei um evento bem diferente do mercantilismo de hoje.

Não tinha essa história de comprar pacotes caríssimos.

Compramos as entradas poucos dias antes dos jogos, nos mesmos "quioscos" das ruas espanholas usados para comprar jornais e cigarros. Não parecia caro. Foram 300 pesetas (menos de 3 dólares no câmbio da época) para os jogos da primeira fase e 600 pesetas para os da segunda, incluindo o de 5 de julho de 1982, aquele, contra a Itália.

O mais legal foi o jogo contra a União Soviética, o primeiro do Brasil na Copa.

Enquanto meu pai visitava fábricas na Alemanha, fui despachado para a casa de uma tia na Espanha, daquelas andaluzas que mantinham o luto anos depois da morte do marido.

Mas não queria perder a estreia. A tia então me levou até o ponto, disse qual era o ônibus que eu deveria usar e que me esperaria ali no máximo uma hora após o jogo.

Com um ingresso que era vendido para os locais, entrei no alto dos meus 12 anos no estádio do Sevilla procurando meu assento. Mas não havia lugar marcado, só o setor.

Ao meu lado, uns senhores espanhóis que se disseram comunistas (havia isso naquele tempo) torciam pelos soviéticos, claro. Mas, ao fim do jogo, após os golaços de Sócrates e Éder, os comunistas, eu e todos do estádio percebemos que aquele time seria inesquecível.

Já ao lado do meu pai, vi "hooligans" pela primeira vez -os escoceses quebraram ônibus após levarem de quatro. Contra a Nova Zelândia não deu. Meu choro não convenceu meu pai a trocar uma visita a meus avós, em Almería, por essa pelada.

Mas deu tempo de chegar a Barcelona e ver o massacre contra a Argentina de Maradona, a campeã da Copa anterior, já pela segunda fase.

Aí chegou o 5 de julho. Fomos bem cedo para o estádio. Mais uma vez sentei longe da torcida brasileira, concentrada atrás dos gols.

Do meu lugar, vi uma das vibrações mais emocionantes daquela ou de qualquer outra Copa, quando Falcão empatou o jogo em 2 a 2 com aquele golaço e correu para comemorar quase chorando, bem na minha direção, no meio da torcida italiana (lá estava sentado). Poderia ser o momento da Copa, não fosse por Paolo Rossi.

Eu me lembro que muitos escreveram que Barcelona amanheceu sem sol no dia seguinte para lamentar a derrota do Brasil. Talvez. Ou talvez o tempo mudou para mostrar que o verão uma hora acaba, mas que um amor de verão fica para sempre na memória.

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