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Edgard Alves

Instinto selvagem

Bem preparada, a judoca Rafaela Silva foi vítima da ansiedade provocada pela enorme vontade de vencer

Um ato falho tirou a brasileira Rafaela Silva do torneio de judô da Olimpíada de Londres. Visivelmente bem preparada, ela passava a imagem de que seria imbatível. Mas a vontade de vencer, e vencer rápido, acabou atropelando a sua performance. Nas oitavas de final, Rafaela dominava a húngara Hedvig Karakas, quando, no calor da disputa, instintivamente aplicou um golpe irregular. Ela própria admitiu a falha. Dureza.

A regra, no entanto, é marota, contempla uma sutileza. Não se pode agarrar a perna da adversária no início da execução do golpe, mas na sequência é permitido. As novas regras passaram a valer após Pequim-2008, e a intenção é valorizar mais a técnica do que a força.

Nos esportes, tensão e ansiedade sempre são pedras no caminho. Atrapalham. A psicóloga Regina Brandão, especialista em esportes, destaca que às vezes a ansiedade para liquidar logo a disputa leva ao erro. Em outras situações, o atleta fica tão ansioso que nem sequer ouve as orientações do técnico.

Lembro-me da decisão do título dos médios do torneio de boxe no Pan-1979, em Porto Rico. O experiente técnico Antonio Carollo passou o dia todo alertando o pupilo Carlos Antunes para que ele entrasse no ringue com a guarda levantada, atento porque o cubano Jose Gomez tinha uma direita potente.

No vestiário, acompanhei as últimas orientações antes da saída do brasileiro rumo ao ringue. Ali éramos apenas os três. Carollo, com luvas especiais nas mãos e os braços semiabertos, mandava Antunes golpear suas mãos, com a direita e a esquerda. E, como o som intermitente de uma metralhadora, alertava para que ele mantivesse a guarda alta, para a proteção, a fim de evitar surpresa. Só isso, o mesmo discurso durante uns 20 minutos. Antunes disse que não vacilaria, embora fosse evidente a tensão estampada em seu rosto.

Soou o gongo, e o cubano nem tocou as luvas no cumprimento convencional. Soltou uma bomba na cabeça do brasileiro, que caiu. Antunes estava com a guarda baixa e depois da luta não entendia como aquilo pôde acontecer. Ficou com a medalha de prata e sua história de vida humilde e de luta serviram para que João Figueiredo, no posto de presidente da República do governo militar, o presenteasse com uma casa num bairro humilde do Guarujá, onde morava.

Antunes, por sorte, teve a compensação de ganhar uma moradia melhor do que tinha. Rafaela, com seu gesto impulsivo, foi eliminada. Para realizar o sonho olímpico de subir ao pódio, ela vai ter que trabalhar duro por mais quatro anos. Como incentivo, tem o fato de que será uma Olimpíada em casa, com o calor da torcida, uma medalha especial.

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