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Herói improvável não em 70

Goleiro do tri Mundial no México, 'baixinho' e 'frangueiro' Félix, que fumava durante os jogos, morre aos 74 após complicações pulmonares

FERNANDO ITOKAZU
DE SÃO PAULO

Pense em um goleiro no jogo entre Brasil e Inglaterra na Copa do México-70. Provavelmente você lembrou de Gordon Banks na memorável defesa da cabeçada de Pelé.

Mas outro arqueiro também teve um papel decisivo na vitória de 1 a 0 do Brasil em partida válida pela primeira fase daquele Mundial.

Félix também defendeu uma cabeçada à queima-roupa, de Lee, ainda no primeiro tempo, quando o jogo estava 0 a 0. Na disputa do rebote, o goleiro recebeu um chute do mesmo atacante.

O lance, claro, foi ofuscado pela que é chamada por muitos a defesa do século.

Esse episódio é apenas um capítulo de uma carreira de um herói improvável, que morreu ontem em São Paulo.

Aos 74, Félix Mielli Venerando sofria de enfisema pulmonar e, com o problema agravado por uma pneumonia, estava internado desde sábado na UTI do Hospital Vitória. O goleiro da seleção do tri morreu por volta das 7h.

A trajetória de Félix soa improvável nos dias de hoje.

Com 1,79 m, era considerado baixo para a posição e chegou à seleção defendendo a Portuguesa. Também sofreu com a fama de "frangueiro".

Em seis partidas no México, Félix foi vazado sete vezes. Só como comparação, Taffarel sofreu três gols, e Marcos, quatro, em sete jogos nas campanhas do tetra em 1994 e do penta em 2002.

Logo após a vitória sobre a Itália na decisão da Copa de 1970, Félix ligou para a casa de uma vizinha para poder falar com a família, já que não havia telefone em sua casa.

"Me lembro bem de que ele me disse: 'Agora você pode falar para todo mundo que seu pai não é nenhum frangueiro'", contou Ligia Cardoso Coelho, filha mais velha.

"Ele viveu uma outra época", disse a neta Juliana Venerando Cardoso Coelho, que ouviu histórias do avô, que era formado em contabilidade e educação física.

"Ele me contou que, quando a bola estava do outro lado do campo, ele aproveitava para filar o cigarro dos repórteres que ficavam atrás dos gols", afirmou a neta, que disse não saber por quanto tempo o avô fumou.

Félix era casado e deixou três filhas e três netos.

"Ele só queria filhas e netas, mas, quando nasceu o primeiro neto, virou o xodozinho dele", contou Ligia.

Outra distinção do goleiro foi ter sido agraciado com o prêmio Belfort Duarte, oferecido a todo jogador que passa dez anos sem ser expulso.

A fama de boa-praça permaneceu após a aposentadoria. "Quando saíamos, vinha muita gente cumprimentá-lo", afirma a neta Juliana.

Os familiares perguntavam quem eram, e o ex-goleiro dizia que simplesmente não os conhecia. "A gente perguntava como ele cumprimentava desconhecidos, e ele respondia que ele não os conhecia, mas eles o conheciam."

Ontem, no início do velório, em São Paulo, Félix recebeu coroas de flores da Associação dos Campeões Mundiais de Futebol e da Federação Paulista de Futebol.

Félix também teve papel ativo na reivindicação de uma pensão para os jogadores que foram campeões nos Mundiais de 1958, 1962 e 1970.

Em junho, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que prevê um auxílio especial mensal aos jogadores que participaram da campanhas dos três primeiros títulos mundiais de futebol.

"Infelizmente usaram isso contra ele", afirmou Ligia. "Ele guardou mágoa por ter sido tão criticado", disse ela, lembrando que o pai não chegou a receber o benefício.

A neta Juliana não quis comentar sobre o assunto. "Só queria agradecer a todos que lembraram do meu avô."

O enterro está previsto para hoje, às 9h30, no Cemitério do Araçá em São Paulo.

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