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Xico Sá

Educação pela vaia

Andávamos tratando a seleção brasileira com indiferença. Quem vaia ama de alguma forma

Amigo torcedor, amigo secador, ouviram do Ipiranga, ouviram do Oiapoque ao Chuí mais uma ensurdecedora vaia ao escrete canarinho. Brasileiro vaia até uma sonora goleada (meu clichê futebolístico preferido), dirá o futebolzinho chucro que testemunhamos no momento. O brasileiro, com ou sem Maracanã, vaia até minuto de silêncio, bem disse o tio Nelson. E é com a vaia, e não com o mimo do aplauso fácil, que estamos educando os meninos para a Copa do Mundo.

Óbvio que a impaciência e o apuro do "bom gosto" estético ficam apenas no futebol. É pena. No futebol sempre queremos caviar e Mozart. No resto do cardápio, como na política, por exemplo, vale qualquer osso. A vida não é sopa.

Mas não vamos nos dispersar, como nos recomenda o mantra de Tancredo Neves. O que importa é o apupo. Acho interessante que o brasileiro tenha voltado a vaiar o escrete pentacampeão do mundo.

Acho magnífico que o brasileiro agora morra de amores pelo futebol de Espanha, país que, finalmente, após séculos tratando a bola com o medo de um toureiro diante do touro, chama a bola pelo nome.

A vaia vai nos levar ao longe. Viva a vaia, como cravou Augusto de Campos no seu poema pedagógico. Sem a vaia para Caetano Veloso e a sua "É proibido proibir", há 40 anos, no Tuca, em São Paulo, a Tropicália não seria a mesma história.

A vaia é bem mais nobre que a indiferença com a qual andávamos tratando a seleção brasileira. Quem vaia ama de alguma forma. A vaia é apenas um barraco, uma briga de amor em fase ruim dos enamorados.

Melhor a vaia do que o silêncio obsequioso diante da brochada. Sim, nosso futebol anda um tanto brocha, menos agudo, sem penetração diante de defesas mais criteriosas. O futebol apenas repete a atual crise do macho perdido diante da nova fêmea. Já não somos mais os mesmos, e as aparências não enganam não. Bem-vindas são as vaias.

Só os vaiados alcançam o reino dos céus. Jesus Cristo foi vaiado, Marx é vaiado até hoje, os Sócrates, tanto o grego como o corintiano, foram vaiadíssimos.

A vaia é o nosso protesto mais civilizado e bonito, sem quebradeira, é só uma nota crítica, nossa bolinha preta na avaliação ao pé da página. No Brasil, vaia-se até o Sol, como os cearenses fizeram em 30 de janeiro de 1942, na praça do Ferreira, em Fortaleza. À espera dos céus, diante de um tempo bonito para chover, quis o Sol reaparecer mais inclemente do que nunca. Sem suportar a longa estiagem, o Ceará vaiou. Se até o Sol sofreu tal apupo, meninos, paciência.

A educação pela vaia é a excelência do nosso sofrido sistema de ensino brasileiro. A prova de que ainda nos resta civilização contra a barbárie. Se há vaia, há esperança. Pelo menos até a próxima Copa.

@xicosa

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