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Entrevista Usain Bolt

Após o Rio, terei feito tudo no esporte e pararei no auge

Homem mais rápido do mundo, o velocista jamaicano diz que só competirá até 2016 e que, depois, planeja jogar futebol

FÁBIO SEIXAS
DO RIO

"Nunca um moleque de 15 anos correu 200 m tão rápido como ele." Assim, a Folha apresentava, em 2004, aquela promessa do atletismo.

Um garoto jamaicano que vinha destruindo recordes nos campeonatos juvenis.

Que repetira o feito aos 16, estabelecendo a nova marca mundial para a idade. E que naquele junho, aos 17, novamente recordista da sua turma, faria a estreia entre os adultos. Seria, também, a sua primeira vez na Europa.

Hoje aos 26, Usain Bolt tem o mundo a seus pés.

É recordista dos 100 m e dos 200 m e o único homem da história a conquistar o bicampeonato olímpico nas mais velozes provas do atletismo -de quebra, também é bi no revezamento 4 x 100 m.

"Isso é Sherbrooke?", pergunta, sorrindo, segurando uma cópia daquela capa de Esporte de oito anos atrás.

Sim, a foto é do Mundial juvenil de Sherbrooke, no Canadá, em 2003. Ele já era forte, mas era outro Bolt. Que apenas sonhava em, um dia, conseguir viver do atletismo.

No Rio na semana passada, para promover uma patrocinadora, Bolt falou novamente com a Folha. Sobre aquele passado. E sobre o que imagina daqui para a frente.

Folha - Neste jornal de 2004, a gente dizia que você era um fenômeno juvenil que começaria a desafiar os adultos. Qual você acha que será a notícia sobre você, a manchete, daqui a oito anos?

Usain Bolt - "O maior atleta que já viveu." Para mim, essa seria uma manchete. Ou "Uma lenda viva". Há várias possibilidades... Quando eu era jovem, naquela época, eu não imaginava que nada disso seria possível. Só estava a fim de curtir o atletismo.

Quando colocávamos seu nome no Google, a primeira coisa que vinha era o site do bar da sua tia Lilly, em Coxheath.

Lembro disso... (risos)

Hoje é bem diferente...

É. Tem muita coisa na frente disso agora. Mas você não pode nunca esquecer de onde veio. E acho que essa é uma das minhas grandes qualidades: vim de longe, trabalhei duro e, para mim, é uma alegria voltar para casa. Meus pais ainda guardam os recortes de jornais. Posso assistir a vídeos, coisas assim... Meu pai tem a fita de Pequim... Então é muito bom voltar e ter contato com isso.

Em 2004, perguntei se você conseguia viver com o dinheiro que ganhava do atletismo. E você disse: "Não, mas espero que consiga logo"...

(Risos) Como você pode ver, agora eu consigo.

Outra pergunta em 2004 foi sobre reggae. Você ainda ouve reggae antes das largadas?

Não. Eu tento ouvir o máximo de músicas possível, mas na hora de trabalhar meu técnico não gosta. Quer concentração total. Então ouço reggae, ataco como DJ às vezes, conheço mais músicas hoje do que naquela época... Mas é só na hora da diversão.

Um tema daquela entrevista foi Atenas, que seria sua primeira Olimpíada. Agora você tem o Rio à sua frente. Vão ser mesmo seus últimos Jogos? Você tem essa certeza?

Definitivamente, será minha última Olimpíada. Depois será difícil continuar. Já terei feito muito até lá.

Uma vez perguntei para o Michael Johnson [ex-velocista americano, ídolo de Bolt] por que ele parou aos 32. E ele respondeu: "Já tinha feito tudo que poderia no esporte. Não havia mais nada a fazer, então resolvi parar no topo". Aos 30, provavelmente já terei feito tudo que eu quero no esporte. Poderei parar no auge, e as pessoas lembrarão de mim como um campeão.

Qual é o planejamento até lá? Você já sentou com seu técnico para traçar a estratégia?

Ainda não, não planejamos tudo. Nós sempre levamos um ano de cada vez, não olhamos tão para a frente. Neste ano, vamos trabalhar para garantir que eu continue correndo cada vez mais rápido, mas sem ultrapassar limites que prejudiquem meu final de temporada.

Você já disse que pretende correr seis ou sete provas por ano. Não tem receio de perder ritmo de prova?

Não. Há vários atletas que querem correr várias provas e acabam se queimando. Prefiro correr o menor número possível de provas. Vou escolher algumas a cada temporada, ir a lugares diferentes... E, se eu correr uma prova em 2013, não quer dizer que a farei de novo em 2014. Quero que os fãs entendam que, como atleta, se você força muito seu ritmo, sua vida útil fica reduzida. Então quero fazer menos provas para ter uma vida mais longa nas pistas. Eu quero ficar mais quatro anos no esporte.

Você registrou seus recordes nos 100 m e nos 200 m em 2009. Em que estágio da carreira você acha que está? Já passou pelo pico?

Eu acho que a próxima temporada pode ser boa se eu mantiver o foco e atravessar o ano sem sofrer contusões. Posso bater esses recordes num dia bom, numa pista boa, com o clima bom. Não estou preocupado com minha idade. Sinto que estou em boa forma, então não estou preocupado.

Sobre virar jogador de futebol ao deixar as pistas, você fala sério? Michael Jordan tentou o beisebol quando se aposentou no basquete e fracassou. Michael Schumacher tentou o motociclismo...

A diferença entre eu e esses caras é que eu realmente jogo futebol. De verdade. Eles pararam e disseram: "OK, vou tentar isso aqui". Mas eles não praticavam para valer. Quando era mais jovem, eu jogava futebol na escola. Depois saía e jogava mais com os amigos... Já participei de várias partidas beneficentes. Já fiz muita coisa no futebol, então não haveria novidades para mim. A única coisa nova seria a rotina de competição. Eu sei que não serei Cristiano Ronaldo nem Neymar, mas estou certo de que serei um bom jogador.

Sobre doping, você acha que tem uma responsabilidade com os mais jovens?

Definitivamente. Acho que um ponto-chave é mostrar que é preciso batalhar para conseguir seus objetivos. A Iaaf [Federação Internacional de Atletismo] e a Wada [Agência Mundial Antidoping] têm feito um bom trabalho com os que querem trapacear. O atletismo está ficando mais limpo, está melhorando. Isso está fazendo as pessoas voltarem a acreditar no esporte. Isso me deixa feliz.

Quão decepcionante foi para você o que aconteceu com Lance Armstrong [ex--ciclista norte-americano sete vezes vencedor da Volta da França banido do esporte por uso de doping]?

Eu fiquei chocado... Acho que chocou muita gente ao redor do mundo. Ao longo dos anos ele ganhou tantos títulos e daí algo assim vem à tona. Eu soltei um "uau". Acho que diz muito sobre o ciclismo, mas ao mesmo tempo os esportes são diferentes.

Qual é o segredo dos países caribenhos no atletismo? Uma ilha como Bahamas tem população menor do que a do Rio e já ganhou nove medalhas olímpicas no atletismo...

É puramente uma questão de competição. Você quer ser sempre o melhor. Na Jamaica a gente vive se comparando com os países vizinhos, não apenas no atletismo. E eles fazem o mesmo. Então quando a Jamaica consegue sucesso nas pistas, outros países começam a se esforçar para também desenvolver atletas, para nos alcançar.

A chave de tudo é encontrar talentos. E é difícil achar um talento, ainda mais se você tem poucas provas de atletismo. Na Jamaica, temos muitos eventos. No Brasil, OK, vocês têm o futebol. Mas, se quiserem obter sucesso no atletismo, precisam criar um grande, um enorme evento de atletismo. Daqueles que atraiam todo mundo que queira correr. Só assim vocês vão encontrar talentos.

Qual é sua missão na Terra?

(Risos) Ser o melhor que eu puder ser.

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