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Entrevista - Lluiz Gonzaga Belluzzo

Palmeiras padece de deficit democrático e de profissionalismo

EX-PRESIDENTE CRITICA ATUAL GESTÃO, RECLAMA DA FALTA DE ALTERNÂNCIA DE PODER, DEFENDE ELEIÇÕES DIRETAS E ALFINETA ARENA CORINTIANA

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Para os palmeirenses que acompanham desconsolados a crise na qual seu clube está afundado, uma notícia ruim a mais: não há perspectiva de muitas melhoras, pelo menos no curto prazo.
E o problema vai muito além do endividamento, hoje estimado em R$ 130 milhões, ou do racha no elenco, ocasionado pelo afastamento do atacante Kleber.
"Há um deficit profissional e um deficit democrático", disse o ex-presidente Luiz Gonzaga Belluzzo, professor de economia na Unicamp, conselheiro da BM&F, da Fapesp e da TV Brasil, além de consultor pessoal de Lula.
Belluzzo assumiu a presidência em 2009 como promessa de modernização. Saiu, no fim de 2010, sem nenhum título e com um saldo de contas a pagar pelo menos quatro vezes maior daquele de quando entrou, segundo o vice financeiro do Palmeiras, Walter Munhoz.
"Belluzzo deixou um saldo negativo bancário de R$ 1,3 milhão e dívidas vencidas de R$ 50,5 milhões", afirmou.
Ainda ficaram famosos os episódios em que perdeu a compostura: xingou um juiz e chamou os são-paulinos de "bambis" em festa da organizada Mancha Alviverde.
"É que o futebol acaba mudando minha forma de ser", afirmou, resignado, o professor, na sala de seu apartamento em São Paulo.
Belluzzo fala em "balcanização do poder" no Palmeiras, reclama da falta de alternância no comando, clama por eleições diretas e elogia a gestão corintiana, mas sem deixar de alfinetar o rival.


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Folha - O que a experiência no Palmeiras lhe ensinou?
Luiz Gonzaga Belluzzo - Eu diria que o clube padece de um deficit de profissionalismo e um deficit democrático. Dado o caráter restritivo do estatuto, você tem uma circulação perversa de elites, entre aspas, no Palmeiras. São sempre os mesmos circulando em torno do poder, e eu me incluo nisso. Essa troca de favores impede
que você se profissionalize e não abre espaço para que gente mais nova tenha chance de acesso.

Mas isso é incontornável?
Agora estamos postulando eleições diretas no clube, com a participação dos associados, estendida aos sócios-torcedores. No Corinthians, é assim, no Inter também. Porque hoje são indiretas, o que gera um processo de negociação política que só atrapalha. Essa prática não saudável acaba invadindo o vestiário, cria insegurança, contamina o ambiente.

O que mudou da gestão atual para a sua?
Eles estão submetidos aos mesmos percalços que a minha [gestão]. Arnaldo Tirone foi eleito por determinado arranjo político e, logo depois, por razões insondáveis, mas não desconhecidas, houve uma dispersão das forças que o apoiavam -muitos viraram oposição. Um abandono de responsabilidade. Você tem uma balcanização do poder, fenômeno curiosíssimo. É o cúmulo da patologia social, uma anomalia. O problema é que o presidente está submetido a um conjunto de forças que se anulam. Isso põe o clube numa situação incontrolável.

O que acha do time de futebol?
Em clube de futebol, quando a coisa vai mal, começa a ir pior. Quanto mais perde, mais difícil reerguer. O grau de pressão, tensão e irracionalidade começa a aumentar. Acontece com todo clube que tem essa estrutura administrativa desequilibrada, com as aspirações de sua torcida, que não pode influir nas decisões, e
uma gestão precária.

E os jogadores?
Tem jogador chorando no vestiário após as derrotas. A instabilidade e a disfunção dentro do elenco é clara. E aí ocorre o medo, a fuga da responsabilidade, a bola começa a queimar no pé. Uns estão completamente aturdidos, outros, insatisfeitos.

Em que medida Luiz Felipe Scolari é responsável? Ele faz um bom trabalho?
Pelos resultados, não, né? Não está dando certo. Mas é difícil você atribuir responsabilidade a ele. O Felipe carregou encargos que não tinha que carregar. Ele é um técnico de futebol, mas teve que administrar assuntos que caberiam a outro profissional, um tipo de manager. Acumularam-se nas costas dele responsabilidades para estabilizar até emocionalmente o time. Fez falta alguém que chegasse para funcionar como algodão entre cristais, nesse caso do afastamento do Kleber.

Essa pessoa não existe?
Você tem o Roberto Frizzo, que é diretor amador, um não especialista, conselheiro do clube que virou diretor, mas não está lá exercendo a função profissionalmente. Ele tem a função diretiva, não quero excluí-lo. Mas precisa ter uma pessoa que fique lá o dia todo, que cuide, que se interesse pelos problemas dos jogadores. A chegada do César Sampaio para gerenciar o futebol vai ajudar muito nesse sentido.

E o elenco?
Tinha condições de chegar em quarto ou quinto lugar [no Brasileiro]. A média salarial é a mesma da dos outros grandes de São Paulo.

Acha que o Corinthians está sendo mais bem gerido?
Não é que o Corinthians esteja salvo de confusões. Mas, na parte de marketing, sem dúvidas, montaram uma estrutura muito competente. Agora, nosso projeto da Arena [Palestra] escapa ao padrão porque não tem um tostão de dinheiro ou benefício público. O Itaquerão tem.

Como enxerga sua gestão?
O esforço de reforçar o time, trazendo jogadores, não foi bem-sucedido. Mas não me arrependo, fiz tudo o que tinha que fazer. Se quiser se manter no topo, não pode fazer opção pelo bom e barato, tem que arriscar, contratar jogadores de ponta. Não pode pensar pequeno.

Mas a dívida do clube, de acordo com a gestão atual, quadruplicou.
Essa história das contas é outra trapalhada que revela incompreensão. O Palmeiras aumentou receitas de patrocínio em quase 200% em minha gestão. E, se não cair para a segunda divisão, tem um potencial de faturamento, entre patrocínio e direitos de transmissão, de R$ 600 milhões nos próximos quatro anos. É preciso enxergar os números em perspectiva.

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