São Paulo, sábado, 01 de março de 2008

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MOTOR

Quando o blefe dá certo


Após 12 anos de guerra, automobilismo dos EUA até pode voltar a incomodar a F-1, mas vai levar tempo


FÁBIO SEIXAS
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

"A YRTON , por que você não testa meu carro? Vou para Phoenix antes do Natal. Você não quer dar umas voltas?"
"Puta, eu vou! O que você acha?" "Meu sonho é você correr comigo em Indianápolis! Imagina a gente lado a lado no grid? O que mais eu poderia querer da minha vida?" "Então eu vou."
E lá foi Senna, tricampeão da F-1 e então o maior nome em atividade no esporte a motor, testar o Penske de Emerson em Firebird, no meio do deserto do Arizona. A data, 20 de dezembro de 1992. O diálogo está em "Ayrton, Um Herói Revelado", de Ernesto Rodrigues, a melhor das dezenas de biografias sobre o piloto.
História saborosa, que teve por trás mais política do que propriamente desejo de correr em Indianápolis, Nazareth e quetais: com o gesto, Senna, que se sentia perseguido por todos os lados, queria pressionar a F-1. Queria carinho. Queria novamente ser bem recebido nos seus domínios. Deu certo, em termos.
Mas, mais surreal do que a imagem daquele capacete amarelo num trambolho como aquele carro no meio da caipirada americana, é conceber um ídolo da F-1, no auge da carreira, cogitando competir na Indy. E, pior, sendo levado a sério.
Surreal, hoje. E nas últimas 12 temporadas. Porque naquela época, a Indy incomodava, sim, a F-1. Como quer voltar a fazer agora, com a (re-)união entre IRL e Champ Car. A cisão anunciada em 94 e sacramentada em 96 foi um erro crasso para o automobilismo dos EUA. A maior potência econômica do planeta perdeu uma categoria forte e ficou com duas fracas. Uma, só em ovais, com equipamentos e pilotos péssimos, mas com Indianápolis.
Outra com ótimos circuitos e pilotos, mas sem o apelo das 500 Milhas. A lógica indicava que o segundo pacote venceria. Porque, por trás da Cart, estavam marcas como Honda, Mercedes, Ford, Toyota, Lola, Reynard, Firestone, Goodyear, Penske, Ganassi, Newman-Haas... A IRL tinha quase nada. Motores Oldsmobile e Infiniti. Chassis G-Force e Dallara. Pneus Firestone. E um punhado de equipes de fundo de quintal.
Parecia questão de pouco tempo, um ou dois anos, para que a IRL se rendesse. "Vamos esperar para ver até onde vai o blefe dele", disse Gugelmin, em julho de 95, referindo-se a Tony George e sua categoria.
Ironia, Gugelmin se aposentou em 2000, quando George desferiu dois golpes de mestre: atraiu a F-1 a Indianápolis, manobra que deu estofo político a seus planos, e colocou dois pilotos da Cart nas 500 Milhas.
Não por coincidência, a partir dali as grandes marcas passaram a migrar para a IRL. George virou o jogo. E o golpe final veio há uma semana. A nova Indy voltará a incomodar a F-1? Talvez. Mas vai levar tempo. Um engano de 12 anos não se corrige assim, de uma hora pra outra.

fseixas@folhasp.com.br


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