São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2010

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JUCA KFOURI

Adeus ao mestre Armando Nogueira


Aqui, três textos escritos para outros meios, mas que quero compartilhar com os leitores desta coluna


NINGUÉM É chamado de mestre à toa. Mestre Didi, mestre Telê, mestre Armando. Ele pagou caro o tempo em que fez o jornal mais consumido do país sob as lentes e ameaças da ditadura. E fez sem se fazer nem de mártir nem de herói. Fez como achou que tinha de fazer, com todas as limitações.
Impossível agora dizer quantas noites perdeu com medo, coisa que eu queria ter perguntado, mas não deu.
Possível, no entanto, contar quantas manhãs teceu para não desistir. Quem conhece mestre Armando só das palavras sobre esportes conhece, talvez, o melhor Armando Nogueira. Mas não o maior.
O maior foi o que resistiu sem parecer que resistia, com doçura, solidariedade e lealdade. Coisa que felizmente, essa sim, eu pude lhe dizer.
E que pude escrever, sorrindo, com ele vivo.
E que repito agora, chorando.

Mestre
Você leu nos jornais quase todas as façanhas de Armando Nogueira.
Resumidamente, é claro, porque daria para fazer uma edição inteira só com elas.
Mas nunca mais você terá o privilégio de poder abrir um jornal e ler que "Ademir da Guia tem nome, sobrenome e futebol de craque".
Ou que "Deus castiga quem o craque fustiga".
Ou que "Se Pelé não tivesse nascido gente teria nascido bola".
Nunca mais.
Mestre Armando dizia também que "o bom jogador vê a jogada, o craque antevê", e ele, como craque que era, antevia não só a jogada, como a notícia. Por isso, um dia escreveu que "os cartolas pecam por ação, por omissão ou por comissão". E que o calendário de nosso futebol "não era nem juliano nem gregoriano, era cartoliano".
Se houver apenas uma palavra da língua portuguesa para defini-lo esta é, sem dúvida, delicadeza.
Mas sabia ser duro, como foi com Ricardo Teixeira, que disse numa CPI não precisar do futebol por ser rico: "Sou rico, uma ova! Fiquei rico, à custa do futebol", deveria ter dito, indignou-se o mestre.
Era apaixonado pelo Botafogo, pelo Acre e por voar de ultraleve, arte à qual se dedicou até a semana anterior da descoberta, três anos atrás, da doença que o levou.

Adeus
Armando Nogueira morreu.
A última vez em que conseguimos nos comunicar, porque por telefone era sempre uma choradeira, foi por meio de uma mensagem que ele me mandou, para agradecer uma referência qualquer feita por mim num programa de TV: "Juca, Teu carinho me conforta como o abraço de um irmão caçula. Beijos do Armando".
Fico aqui com minha dor, incapaz de ser minimamente objetivo.
Tenho por ele infinito carinho mesmo e sei o quanto ele penou para dirigir o jornal mais visto no país no período da ditadura.
Leal, ele agiu sempre no limite da dignidade possível.
E tratou de proteger o quanto pôde aqueles que eram perseguidos. O Brasil perde um belo jornalista, mas, antes de tudo, um homem de bem, um enorme ser humano.

blogdojuca@uol.com.br


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