São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Nuzman

Folha - Investiu-se no esporte brasileiro dinheiro que o esporte brasileiro jamais teve. Parece lógico que a cobrança suba de maneira proporcional a isso...
Carlos Arthur Nuzman -
Depende da ótica. Se eu colocar R$ 200 milhões nas mãos de jovens e disser: "Vocês agora vão aprender e ser médicos". Nesse espaço de tempo eles não vão ser médicos.
Não posso estar nunca de acordo que entra um dinheiro, e o resultado tem que aparecer agora.
Vou falar com resultados. O voleibol: eu fiz três gerações vencedoras porque tinha base, estrutura administrativa, técnica. Não sou nenhum santo, nenhum inventor. Para cada geração dessa, você teve: medalha de prata de Los Angeles começou em 75 para 76, nós tivemos oito para nove anos. A equipe campeã olímpica de 92 começou em 82, são dez anos. A equipe campeã mundial de 2002 começou seu trabalho na faixa de 1990, 92. Você está falando de dez anos para 12 anos. É a média dos esportes estruturados.

Folha - E o sr. está no cargo há nove anos.
Nuzman -
Sem dinheiro, não adianta contar o número de anos.

Folha - Em nenhum momento da história olímpica brasileira alguém teve tanto dinheiro como o sr. agora. Num país que tem muitas prioridades para investir e que tomou a decisão de investir no esporte. É natural que o país faça essa discussão e que vá cobrar resultado.
Nuzman -
Aceito qualquer discussão. Se você quer colocar que eu recebi muito dinheiro e que os resultados são ruins, você coloca como quiser. Apenas vou me dar o direito de dizer o que eu acho. Não é um problema de ter ou não cobrança. A análise, na minha opinião, deve ser equilibrada.

Folha - O que é uma análise equilibrada?
Nuzman -
Você vai dizer que confederações existiam na mala do carro, que não tinham nenhum funcionário? Não vai.

Folha - Mas não tem hoje nenhuma confederação dentro da mala do carro, certo?
Nuzman -
Há dois anos ela tem sede. E aí ela tem que se preparar administrativamente e depois tecnicamente, formar seus técnicos, e dos seus técnicos ter um número de atletas que ela possa desenvolver um trabalho, e que os resultados possam aparecer.

Folha - E quanto tempo demora para começar a aparecer?
Nuzman -
Eu sempre disse isso: é uma faixa de dez a 12 anos. Disse isso à Folha não tem o quê: quanto tempo tem aquela entrevista?

Folha - Mas não é estranho o sr. ter dito isso em 29 de junho de 95, quando tomou posse, e dizer isso de novo hoje, nove anos depois?
Nuzman -
Nunca disse que uma matéria é mentirosa. Aprendi isso: não reclamar de árbitro e de matéria. A única coisa que eu tenho é: você não pode botar na minha boca o que eu não disse.

Folha - Mas, por exemplo, tem aqui: Folha, o "Globo", o "Estado" e a "IstoÉ"...
Nuzman -
Sim, mas escuta, sem dinheiro...Quanto dinheiro tinha no cofre do comitê, na conta, quando eu assumi?

Folha - O sr. que me conta.
Nuzman -
Qual o dinheiro que tinha para a Olimpíada de Atlanta, um ano depois? Essa é fácil. Se não tiver na Folha, eu lhe digo.

Folha - O sr. que me diz.
Nuzman -
De cabeça eu não sei. Se você achar que esse número transforma o Brasil numa potência olímpica, eu vou duvidar da sua capacidade de analisar.

Folha - Não há nenhuma comparação possível com Sydney do dinheiro que o sr. teve agora.
Nuzman -
Ah, isso não tem. De forma nenhuma.

Folha - Não é estranho, na cabeça das pessoas, em resultados: por que a gente botou...
Nuzman -
Como um sujeito vai ser médico? Fez vestibular, no dia seguinte está sendo um grande cirurgião?

Folha - Esse não é um discurso muito simplista? Essa é a sua terceira Olimpíada, e a qualquer momento de cobrança de resultado o sr. fala que tem que esperar de novo um tempo de maturação.
Nuzman -
Não estou dizendo que deve esperar um tempo de maturação, se é a primeira, se é a segunda, quinta ou sexta Olimpíada. O que deve ser analisado são as condições. E o que eu quis dizer com o médico é que você não transforma um atleta do nada em um medalhista.

Folha - Mas o Brasil saiu de 12 medalhas em Sydney. Não é normal as pessoas esperarem um salto?
Nuzman -
Para ganhar medalha olímpica, tem que ter resultados sul-americanos, em competições internacionais, no Pan-Americano, uma longa escalada. Até porque, esse dinheiro que você acha que é tanto, eu quero lhe dizer quanto tem a Austrália: US$ 100 milhões/ano. Os EUA têm um pouco mais de US$ 100 milhões.

Folha - E nenhum centavo público.
Nuzman -
Mas ganha US$ 240 milhões do Comitê Olímpico Internacional.

Folha - Também não é dinheiro público. Em nenhum deles você está tirando dinheiro do hospital para dar para o esporte.
Nuzman -
Isso é você que está dizendo. Se você pegar o diagnóstico do esporte brasileiro, feito no ano 2000, para que o Brasil possa se transformar numa potência olímpica, são R$ 103 milhões/ano, com aumento de 10% ao ano, você vai ver que esse recurso da lei Agnelo/Piva representa 35% a 40% desse valor. Não é com esse dinheiro que vamos transformar o Brasil em potência olímpica.

Folha - Mas é mais dinheiro que o Ministério do Esporte tem hoje. Qualquer gerente é cobrado por resultados, ainda mais uma pessoa que tem milhões...
Nuzman -
Sim, o problema que existe é que para fazer uma escalada de crescimento você tem que aguardar. Se eu pegar o voleibol, a geração que foi medalha de prata: o Brasil foi sétimo na Olimpíada de 76, sexto no Mundial de 78, quinto na Olimpíada de 80, vice-campeão do mundo e olímpico em 82 e 84. Se essa entrevista estivesse sendo feita no ano de 1980, estaríamos conversando o seguinte: tinha que ter um resultado melhor em Moscou. Já devia ter uma medalha em 80. Só que não era ainda o momento.

Folha - Dentro desse raciocínio, o sr. considera natural o Brasil ter um resultado em Atenas com menos medalhas do que Sydney?
Nuzman -
Não vou falar de medalhas. Vou dizer: a melhoria do esporte brasileiro é qualitativa. Melhoria de um todo. Se você vir os resultados em Sydney, não estou falando de medalhas...

Folha - Está falando de quê?
Nuzman -
Estou falando de uma maneira geral.

Folha - O que é uma maneira geral?
Nuzman -
Quem era 50º e está em 30º, ele está melhorando.

Folha - Mas o Brasil caiu de posição em Sydney. Então não se pode falar isso no quadro de medalhas.
Nuzman -
Você acha que o Brasil foi pior do que a Turquia, que teve quatro ouros num esporte? Criticar é fácil. Por isso estou procurando colocar de uma maneira que não haja injustiça.

Folha - O que é um critério justo?
Nuzman -
É ter equilíbrio na análise, pesar o que entrou de recurso, o que ele pôde treinar, a capacidade que tem de absorver.
Você faz a horizontalidade, entre dinheiro, estrutura, ter técnicos, atletas e poder participar de uma preparação que seja equiparada às melhores forças do mundo para que ele possa amanhã ser analisado. Isto leva tempo.

Folha - Nessa equação do sr. não entra resultado.
Nuzman -
Para melhorar e chegar a uma busca de medalhas, ele vai ter que escalonar e ter resultados. Esses resultados devem ser levados em consideração quando se analisa certa modalidade.
Não vou dizer que todas as modalidades evoluíram. Nem tenho essa obrigação. Vou defender que a maioria melhorou, teve aumento com resultados qualitativos. Se isso vai ser traduzido em medalha ou não, é outra questão.

Folha - Esse raciocínio que o senhor aplica para cada um aplica-se para o "sujeito" Brasil.
Nuzman -
Estou de acordo.

Folha - Aí volta a pergunta inicial. Caso o Brasil não apresente essa melhoria, isso é resultado natural?
Nuzman -
Não vamos fazer entrevista de "se". O "se" deixou de ser campeão uma porção de vezes.

Folha - Pergunto "se" porque o senhor não colocou objetivo.
Nuzman -
Estou colocando: o objetivo é melhoria qualitativa.

Folha - O investimento feito agora vai ter um retorno em resultado?
Nuzman -
O resultado é uma melhoria qualitativa do esporte olímpico brasileiro. Posso dizer agora que já houve uma melhoria. O Brasil aumentou o número de modalidades, que é o recorde, o recorde de número de atletas, especialmente a rama feminina. É um resultado inquestionável. Não estamos falando de medalhas. Nós tínhamos "X" modalidades, agora temos "X mais não sei o quê", tivemos um número de atletas de 225 de Atlanta, 205 de Sydney, agora 240 e poucos. Essa é uma melhoria qualitativa.

Folha - Isso é fruto da lei Piva?
Nuzman -
Vamos colocar que é fruto de um trabalho das confederações, não se pode tirar o mérito do trabalho das confederações. Agora, é óbvio que os recursos da lei Agnelo/Piva foram importantes, cruciais, porque passaram a ter regularidade em termos de os valores chegarem às confederações mês a mês. Então você pode ter planejamento, projetos, uma execução que te permite cobrar, analisar, dizer se está bem feito ou se está malfeito, individualmente.

Folha - O que seria um bom resultado em Atenas?
Nuzman -
Veja bem: não estou em momento nenhum deixando de respeitar essa nossa entrevista em não querer dar a vocês um resultado numérico de medalhas. Só que eu nunca fiz isso, nem na minha época do voleibol. Nem quando tinha chances de ser medalhista olímpico.

Folha - Mas o sr. pensa nisso?
Nuzman -
Nunca. Se eu te disser: nunca escrevi, nunca parei e disse: aquele cara de repente pode ganhar uma medalha. Longe disso.

Folha - Mas na entrevista, por exemplo, no dia 1º de outubro [de 2000, quando foi feito o balanço da campanha em Sydney], o sr. falou que esperava 12 medalhas.
Nuzman -
Onde eu disse isso?

Folha - Tem a declaração no jornal.
Nuzman -
Escuta: é uma maneira de falar de uma concepção. Você vai para uma Olimpíada de Atlanta, para uma de Sydney, que teve dificuldades maiores, fuso, temperatura, às vezes você leva isso em consideração. Mas eu não penso em número de medalhas, não tenho classificação de quem vai para a final, quem não vai, isso não está na minha cabeça. Não sofro antecipadamente.

Folha - Qual a maneira de medir? Se não é medalha, como o sr. vai poder dizer: foi um bom resultado ou não foi um bom resultado?
Nuzman -
Você quer que eu seja muito franco com você?

Folha - Por favor.
Nuzman -
Você vai pegar modalidade por modalidade, vai fazer uma análise do que ela era, do que ela é e o resultado que ela obteve. Aí você vai ver que essa modalidade que está num crescimento inequívoco, e que por qualquer motivo, ganhou ou não ganhou medalha, esse resultado não pode ser desmerecido, porque esse esporte está em crescimento. Essa, para mim, é a análise que eu faria.

Folha - Então é melhorar a colocação?
Nuzman -
Melhorar a colocação de cada modalidade. Isso quando eu digo que é a melhoria qualitativa, é isso, a qualidade. Fui décimo e agora fui oitavo. Eu melhorei.

Folha - O COB precisa ficar com um terço do dinheiro do esporte em vez de o dinheiro chegar na ponta, chegar ao atleta?
Nuzman -
Não quero que vocês digam: "Pressão dentro das quadras, piscinas e pistas, com essa porcaria de estrutura que tem". É proporcional. Pegue quantos funcionários nós temos, quanto a gente gasta, e compare com ministérios, outros comitês.
Você sabe como eu tenho que me estruturar financeiramente para prestar contas ao TCU? Eu tenho um departamento de contabilidade e um departamento financeiro. Porque na hora que der o problema, que eles vão lá para fazer auditoria. Mandam auditores, pegam a documentação inteira, e temos que ter gente analisando isso tudo, dia a dia, porque a rotatividade de gastos é diária. Temos 28 confederações e mais 2 de esportes de inverno. O número de funcionários que nós temos hoje é pouco. Deveríamos ter mais. Só que não posso gastar mais.

Folha - Mas não é estranho ter uma proporção tão grande sendo gasta longe das quadras, não tem um problema maior então?
Nuzman -
Quantos funcionários tem a Folha de S.Paulo, quanto a Folha gasta para poder colocar o jornal na rua, no nível que coloca?

Folha - Não tenho a mínima idéia.
Nuzman -
É só pegar quantos a Folha manda à Olimpíada. Será que a Folha precisa de tanta gente na Olimpíada, em detrimento de outros coitados de jornais?

Folha - É uma boa pergunta, assim como a pergunta que eu fiz.
Nuzman -
Então nos devemos respostas.

Folha - Mas o entrevistado é o sr.
Nuzman -
Mas eu também tenho direito de entrevistar. Não é possível que eu não tenho o direito. Eu fui fazer faculdade de jornalismo para poder aprender o outro lado.
Não vamos buscar, não vamos descobrir o milagre da multiplicação dos pães. A estrutura que nós temos, ela é clara, são prestadas contas, ninguém ganha absurdo de dinheiro, nós temos um plano de cargos e salários aprovado pelo tribunal de contas.
Montar uma prestação de contas dessas é um troço gigantesco. Eu não quero ser melhor do que ninguém. Eu não quero é ser pior. Se eu errar, vou errar sem ter o dolo, errar como qualquer um erra. Como qualquer um de nós faz.

Folha - O TCU teve dificuldade em analisar as contas relativas à lei Piva. Como está a prestação de contas das confederações, das passagens aéreas?
Nuzman -
Eu não vou discutir critérios com o Tribunal de Contas da União pelo jornal. Nenhum documento nosso de prestação de contas é feito sem que nós apresentemos a origem. Tipo de contrato de aluguel, nós fazemos. Tipo de recibos, nós fazemos.
Nós gastamos 29,9 [% da Lei Piva] em passagens [em 2003]. Nós não, as confederações. É um nada. Se você não fizer intercâmbio, e para fazer intercâmbio tem que viajar, pagar passagem aérea, você tem confederações, que têm patrocínios, que usam só para para passagem aérea, porque é mais fácil prestar contas.

Folha - Mas a questão talvez seja menos de volume e mais do fato de haver ou não uma licitação.
Nuzman -
Como? Claro que tem. Existe uma licitação. Nós apresentamos sempre. A gente teve os melhores preços que tem no mercado, nenhuma companhia pode dizer o contrário. Nós temos os preços de cada uma delas.

Folha - A atual de vocês é a Tamoyo, certo?
Nuzman -
Isso é agência. Isso é outro. Preço é: pode ser a Varig, pode ser a Lufthansa, pode ser a TAM. A agência não altera, o que vale é o preço que está cobrando a companhia aérea.

Folha - Isso não é licitação, é uma cotação normal de agência, não?
Nuzman -
Ela faz, tem que fazer.

Folha - É a Tamoyo que faz licitação para o COB?
Nuzman -
Faz, faz.

Folha - E o COB faz alguma licitação para a Tamoyo?
Nuzman -
Faz.

Folha - E há quantos anos ela é a agência do COB?
Nuzman -
Não sei se tem dois anos.

Folha - Mas ela não foi para Sydney já? Ela estava em Sydney.
Nuzman -
Estava em Sydney. Mas a gente está falando da lei. Em termos da lei...escuta, a agência não muda, entendeu?

Folha - Então não há licitação para a agência.
Nuzman -
Há.

Folha - Então por que não muda?
Nuzman -
Porque ela ganha.

Folha - Mas se há uma licitação, existe a possibilidade de mudança. Por que o sr. está dizendo que ela não muda?
Nuzman -
A licitação que tem, eu até posso te dar o modelo como é feito. Existe um modelo que é feito que o TCU aprova. A gente faz dentro da legalidade que tem.

Folha - Então por que mesmo assim ela nunca muda então?
Nuzman -
Se ela ganha, e ela continua...Por que que vai mudar, se ela está ganhando? Por que vai mudar?

Folha - Mas por que o sr. falou "a agência não muda"?
Nuzman -
Como a agência não muda?

Folha - O sr. acabou de dizer.
Nuzman -
Não muda, não. As companhias mudam, porque têm períodos de alta e de baixa. Ela faz a licitação e tem os documentos todos.

Folha - Essa licitação que o sr. diz que é feita vale até quando?
Nuzman -
Acho que até o fim do ano.

Folha - Então vai fazer uma nova?
Nuzman -
E sempre fez. Isso me lembra muito a história que tem o seguinte: eu não me importo em ser investigado, eu já fui investigado, isso aí só se eu fosse ingênuo. É a mesma coisa para agências que trabalham para governos, que trabalham para publicidade. Eu começo com agência de publicidade. Se eu ficar mais de um ano, vão dizer: não faz licitação? Não é por aí, está entendendo?

Folha - O que estou colocando para o sr. é uma questão que o TCU colocou, por exemplo.
Nuzman -
Nós estamos com contas aprovadas. Prestação de contas no ministério de anos anteriores, não é do atual ministério, tem contas, processos, que ainda não foram feitas.
A única coisa que eu estou mostrando é isso: passagens tá aqui, gastou 29,9 [%]. Nem um terço do dinheiro. Onde é que tem excesso? O que se ouve mais do atleta? "Eu preciso viajar para competir, eu preciso viajar para competir". Então tem uma equação aí que não está batendo. Se não gasta dinheiro em passagem, e o atleta precisa viajar para competir, eu gostaria de conhecer que fórmula é essa que a gente resolvesse.


Texto Anterior: Nuzman agora reivindica dinheiro para dirigentes
Próximo Texto: "Não vou falar de medalhas; a melhora deve ser qualitativa"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.