São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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ATENAS 2004

Primeiras representantes do país são símbolo de maior esforço para aumentar número de mulheres nos Jogos

Afegãs puxam fila por ofensiva feminina

GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Robina Muqimyar correu como nunca, cruzou a linha de chegada, olhou para o cronômetro e pôs as mãos no rosto, envergonhada. Terminara os 100 m rasos em 15s, quase quatro segundos atrás da primeira colocada.
"Não é um bom tempo para a Olimpíada, é?", perguntou.
Definitivamente não. Mas o resultado nos Jogos Sul-Asiáticos, que poderia desacreditar qualquer velocista, não irá manchar sua participação em Atenas.
A adolescente de 17 anos será, ao lado da judoca Friba Razayee, 18, a primeira afegã a disputar uma Olimpíada. Mais: é o símbolo de um esforço jamais visto para tentar ampliar a participação feminina nos Jogos.
A ofensiva é encabeçada pelo Comitê Olímpico Internacional e conta com a ajuda de ONGs, principalmente de muçulmanos, que vêem o esporte como forma de integrar as mulheres à sociedade.
O objetivo em Atenas é baixar para zero as delegações sem participação feminina. Em Sydney-2000, foram nove -Brunei, Líbia, Emirados Árabes, Ilhas Virgens, Kuait, Omã, Qatar, Arábia Saudita e Botsuana-, um avanço significativo em relação a Atlanta, quando 26 só enviaram homens.
A expectativa é que a participação feminina na Grécia represente 40% do total de atletas. Os números oficiais serão divulgados até o início dos Jogos, no dia 13.
"Pedimos aos 202 países que estarão em Atenas para que levem mulheres", disse Anita DeFrantz, presidente da Comissão de Esportes e Mulheres do COI. O comitê chegou a falar em retaliações a quem não acatasse o pedido.
O Afeganistão já foi punido pela entidade. Em 1999, o país foi banido dos Jogos por causa da discriminação do Taleban contra as mulheres. Só foi reintegrado em 2003, após a queda do regime.
Foi nesse cenário que Muqimyar e Razayee começaram a dar os primeiros passos para superar as limitações das leis muçulmanas e os escombros do país.
"Dizem que garotas não podem praticar esportes. A razão é que passaram 25 anos fazendo guerra, não esporte. Não dou ouvidos a eles", disse Muqimyar à Folha. Ela corre na esburacada pista do Estádio Olímpico de seu país, usado pelo Taleban para execuções.
A velocista, que há menos de dois anos nem sabia quem era a campeã olímpica Marion Jones, não foi a mais rápida nas seletivas do país. Ganhou a vaga porque a família das outras meninas não permitem que elas viajem.
Limitações como esta, impostas pela religião, são o principal entrave em países muçulmanos.
"Muitos acreditam que o esporte pode prejudicar suas filhas, que elas perderão a virgindade e ficarão impedidas de casar", contou Parvin Darabi, presidente da Fundação Hona Darabi, que milita pelos direitos das muçulmanas.
Em 1996, em parceria com a ONG Atlanta +, ela trabalhou para que o Irã levasse aos Jogos a atiradora Lida Fariman, primeira iraniana a competir desde a Revolução Islâmica, em 1979.
Coberta sempre dos pés à cabeça, Fariman não enfrentou um dos maiores obstáculos das muçulmanas, a exposição. A religião as proíbe de mostrar o corpo.
"Vou vestir o que derem. Não tenho medo, estou feliz. Aprendi com o Taleban como ser oprimida. Agora, quero ensinar como superar isso", disse Muqimyar, que correrá de calça em Atenas.


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