São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2010

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Um Mano que não existe

O técnico da seleção, que raramente se irrita em público, era um jovem explosivo no interior do RS

Fernando Santos/Folhapress
Campo do Rosário, o 1º clube do Mano jogador, em Passo do Sobrado (RS)

MARTÍN FERNANDEZ
ENVIADO ESPECIAL A VENÂNCIO AIRES E PASSO DO SOBRADO (RS)

"Heeeeeeeeeeeeeeeeeei". O grito na beira do gramado ainda é o mesmo. A obsessão por detalhes táticos, a forma de dirigir o vestiário, a tendência de falar muito com os árbitros durante os jogos também permaneceram.
A rispidez, não. O Mano Menezes que assumiu a seleção brasileira a quatro anos da Copa de 2014 é mais frio, mais cerebral, mais calculista do que o guri que nasceu em Passo do Sobrado, cresceu em Venâncio Aires, ganhou títulos em Porto Alegre e São Paulo e hoje vive no Rio, sede da CBF.
Passo do Sobrado, hoje 6.000 habitantes, ainda era um distrito de Rio Pardo em 11 de junho de 1962, quando nasceu o segundo filho da enfermeira Laurinda e do funcionário público Omar.
Em meio a plantações de fumo e fábricas de cigarro, base da economia daquela região do Rio Grande do Sul, havia um campo de futebol. Amarino Faleiro, 80, à época funcionário do departamento de estradas, passava todo dia em frente ao terrão.
"Eu via aquela gurizada jogando com umas bolas velhas, arrebentadas. Resolvi ajudar, sou meio sapateiro também, e consertava as bolas", narra Faleiro, na casa em que mora há 40 anos.
O envolvimento aumentou, e Faleiro passou a treinar aquele bando de guris, no Esporte Clube Rosário.
Faleiro lembra especialmente de um dia em que Mano mudou a formação do time. "Professor, estamos mal posicionados", ouviu do jogador, então com 16 anos. "Hoje, se um jogador faz isso, é mandado embora."
Se Mano chegou à seleção por causa de sua tranquilidade, foi porque deixou a cabeça quente no interior gaúcho, segundo relatos de quem conviveu com ele.
"A gente tinha que conter o ímpeto dele", conta Carlos Preus, o Gueti, 57, ex-companheiro de time e ex-professor de Mano. "Reclamava muito com o juiz, gostava de bater e achava que nada era falta."
Airton Etges, 53, era goleiro do time e foi prefeito de Passo do Sobrado (2001-04). "Essa frieza ele adquiriu depois, ele era mais explosivo", conta Etges. "Já gostava de organizar, já era um líder."
Em Venâncio Aires, cidade de 68 mil habitantes, a 15 quilômetros, para onde se mudou a fim de trabalhar e estudar, tornou-se protagonista da história do Guarani.
Ganhou o título estadual de amadores -que dava direito à vaga na segunda divisão- em 1988 e o Campeonato Gaúcho de 2002 (ano em que os grandes do Estado disputaram outra competição).
Mas mostrou comportamento muito diferente do que teria hoje em situações semelhantes, guardadas as devidas proporções.
"Ele queria dirigir o time, a imprensa, a diretoria e a torcida", lembra o ex-repórter esportivo Sergio Klafke, 49, diretor do jornal "Folha do Mate". "Teve probleminhas com a imprensa daqui, nada sério, mas a gente vê que hoje ele está mais diplomático."
Em 2003, em sua terceira e última passagem pelo Guarani, Mano se desentendeu com parte do elenco. Pediu o afastamento de quatro atletas -e acabou demitido.
"Hoje ele faria diferente, talvez afastasse um logo de cara, não entraria em tanto atrito", diz Paulo Battisti, amigo e ex-dirigente.
No Grêmio e no Corinthians, clubes em que o ambiente político às vezes atrapalha o futebol, Mano passou incólume a pressões, soube lidar com as estrelas e raramente mostrou irritação em público. Aquele Mano Menezes não existe mais.


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