São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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FUTEBOL

Despedida ou licença

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

A pós prolongada licença, retorno com saudades ao meu trabalho. Parafraseando os jogadores, estou fora de ritmo, sem o tempo da palavra (bola).
Dois meses depois, as imagens da brilhante conquista do pentacampeonato continuam vivas na minha memória. Agora mais nítidas e compreensíveis.
Felipão realizou excelente trabalho e deveria continuar. Compreendo seus motivos pessoais, emocionais e racionais. A vida tem outros prazeres. Não é fácil também conviver com as críticas, mesmo construtivas.
O ser humano adora ser elogiado e bajulado. Além disso, após a festa e a vitória, vem o fastio e a sensação de que já se fez tudo. Aí, surgem e renascem os problemas. Como Felipão é mais emocional do que racional, pressinto que logo estará de volta. Parece mais licença do que despedida.
Não se pode também supervalorizar a atuação do treinador, principalmente a da "família Scolari". No Mundial, havia outras famílias unidas, determinadas, bem comportadas, com muita garra, comandada por outros Felipões. Porém nenhuma tinha três atacantes excepcionais como os da seleção brasileira.
Para substituir o treinador, além do Parreira, há outros bons no futebol brasileiro. Nos últimos anos, alguns evoluíram bastante, dentro e fora de campo. Assimilaram as críticas. Mudaram o comportamento. Ficaram mais humildes e competentes.
A principal qualidade de um treinador de futebol é escalar os melhores jogadores e dar a eles condições para fazerem tudo que sabem. Foi o que Felipão fez.
O Brasil só ganharia a Copa do Mundo se os principais jogadores (Ronaldo, Rivaldo, Roberto Carlos e Cafu) jogassem como nos clubes ou como antes, caso de Ronaldo. Não foi fácil escalá-los. Havia muitos problemas.
Mais do que isso. Em vez de colocar um armador e dois atacantes como faria a maioria dos técnicos, Felipão colocou Ronaldinho Gaúcho de um lado, Rivaldo de outro e Ronaldo fixo na frente. Isso confundiu a marcação. Se a seleção tivesse apenas um jogador para articular as jogadas ofensivas, seria facilmente marcado.
Felipão gostou tanto de atacar que escalou o meia-atacante Juninho ao lado de Gilberto Silva. Aí foi seu grande erro. Existia um grande vazio no meio-campo. Os adversários tocavam a bola nesse setor e chegavam com facilidade próximo à área brasileira. Com a entrada do Kleberson -poderia ser Ricardinho-, houve uma grande evolução da equipe.
Após a conquista, Felipão declarou que se inspirou na seleção argentina. Juninho seria o Verón. Nada a ver. Verón é um típico armador. Juninho é um meia atacante, como Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo. Aliás, um dos erros do Bielsa, técnico argentino, foi escalar o meia ofensivo Aimar no lugar do Verón (fora de forma). Aimar deveria ter entrado no lugar de um dos três atacantes.
A seleção brasileira derrubou vários mitos: o de que o futebol brasileiro não sabe jogar com três zagueiros, pois Edmílson jogou de zagueiro e de volante; que um bom time precisa congestionar o meio-campo e valorizar a posse de bola -havia poucos jogadores nesse setor; e que numa Copa deve se jogar com cautela para não levar o primeiro gol. O Brasil atuou sempre no ataque, levou o primeiro gol da Turquia e da Inglaterra, mas venceu.
Os fatos não significam que Felipão esteve sempre certo; mostram apenas que existem várias maneiras de se ganhar. A filosofia do time de 2002 era oposta à de 1994. Mais importante do que a idéia e a estratégia é a execução do que se propõe.

Salve, Ronaldinho
Logo após o gol de falta do Ronaldinho Gaúcho contra a Inglaterra, tinha certeza de que ele quis cruzar e errou o chute. Como não vi a repetição do gol no estádio -para o comentarista essa é a única vantagem de se ver o jogo na TV-, apostava no fato de que o jogador correu olhando para a bola e não para o goleiro.
Depois de ver no Brasil o lance várias vezes, reconheço meu erro. Ele correu com a cabeça baixa para despistar. Já sabia que iria chutar direto. Por isso tocou na bola de chapa, utilizando toda a parte interna do pé.
Dessa forma é mais fácil atingir um determinado alvo. Se Ronaldinho quisesse chutar em curva, ele tocaria na bola com a parte interna superior do pé, a saliência onde se forma o joanete.
O grande craque é aquele que surpreende e engana o adversário, o torcedor e o comentarista. Salve, Ronaldinho.

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