São Paulo, sexta-feira, 01 de dezembro de 2006

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XICO SÁ

Sobre mulher, futebol e rock'n'roll


Como elas são capazes de ver uma pelada só para conferir se a desculpa para a saída de seus homens se justificam


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, testemunhei um Grêmio Barueri x Ferroviário, naquela noite de chuva no Palestra Itália. Sim, sequei o quanto pude os paulistas, esse time com jeitão de novo São Caetano, muito parecido, até no financiamento público, pois come à custa da prefeitura daquele município, uma estatalzinha da bola no país da peladabrás, ópio para as massas, panis et circense, bola na rede.
Mas a peleja, meus jovens, não foi lá essas coisas, até parecia um desses jogos modorrentos da Primeirona, um Corinthians x Botafogo, um Palmeiras x qualquer desgraça parecida. Não teve nada de épico, como costumam ser os embates da B para baixo... e da C até o subsolo da mais erosiva das várzeas. O Ferrim não estava numa das suas melhores luas, como naquela noite em que chutou o despacho, botou na roda o Exu tranca-ruas e meteu sete no Bahia.
Nada épico, como um Sport 2x3 Portuguesa, mas sempre vale, afinal de contas sexo, pizza e futebol são sempre muito bons, mesmo quando são muito ruins. O pior de ver jogo em São Paulo é engolir as peladas a seco, sem a cerva para molhar o nervosismo ou o tédio. Bebe-se livremente em todas as praças do país, menos aqui. Nem por isso há mais violência nos outros Estados, pelo contrário. Senhor(es) promotor(es) moralista(s), tende piedade de nós, pobres dependentes e dionisíacos.
Claro que a patroa, toda feliz em pleno gozo de férias ludopédicas, não perdoou o meu gesto. Teria sido melhor que eu tivesse ido pular a cerca, o esporte mais adorado no país -perde só para as artes futebolísticas. O pulo à cerca, aliás, usa abusivamente o futebol como desculpa. Tanto a ida aos estádios como a prática de uma peladinha amiga.
Até o dia em que a mulher pega o vagabundo na mentira, o cara-de-pau chega em casa sem saber que o terceiro do Barueri foi marcado por Thiago Humberto. Sim, o que uma mulher não faz por ciúmes? É capaz de ver na tevê um jogo do Ferroviário como se fosse um filme de Godard ou um concerto de Iggy Pop, para citar dois dos seus preferidos.
Claro, antes que cheguem as mensagens de sempre com o assunto "porco chauvinista", eu me antecipo: as mulheres também traem -nunca pensei que isso um dia virasse elogio!-, como traem lindamente as nossas Bovarys e Kareninas. Em vez do futebol, usam, falo das burguesas, as artes como desculpa, aquela ópera chata que não encaramos, aquele teatro nô japonês do qual fugimos léguas, aquela mostra do mais novo vanguardista húngaro, aquelas coisas da Escola de Sófia.
O mais engraçado é que a nega se traiu um dia desses, flagrei a danada, ainda no estala-ossos da preguiça na cama, espiando o "Pontapé Inicial", da ESPN Brasil. Espantei-me, fiz um nooosssaaa imitando o velho Costinha, lembra? Ela se desculpou como os cínicos que compram a "Playboy" com a desculpa de uma puta entrevista, saca? Como se peitos, bundas e vulvas falassem frases geniais.
A desculpa dela: "Ah, tão falando do George Harrison...". Também gosto do cara e vi que rolava mesmo uma música dos Beatles, bela manhã de enroscos e beijos pequenos nas costas. Para completar, o Flávio Gomes falava de como era psicodélica a F-1 nos anos 70, de como Harrison adorava Fittipaldi, só pérolas. E um Trajano impagável, no melhor e mais fino do seu mau humor, a tratar do Cary Grant e da Grace Grace Kelly, palmas! É que o tal pontapé trata de bola e cultura, belo acerto da emissora. E, por favor, mais música.
É, a coisa está linda aqui em casa neste fim de temporada. Só espero que ela não descubra tão cedo que este que vos seca é "gato", como tantos que estão por aí a miar nos gramados. Essa história depois eu conto. E "viva el viño, dinero e amor", como canta Elvis na vitrola aqui na sala, aquele vinilzão, lembra?

xico.folha@uol.com.br


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