São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2008

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SONINHA

Filosofando na Alemanha


Gostamos de futebol por ser surpreendente ou por ser repetitivo? Humanos gostam de novidade e de repetição

DEPOIS DE alguns dias ouvindo o único idioma no qual se pode filosofar (vide "Língua", Caetano Veloso), fiquei inclinada a perscrutar os mistérios do indivíduo e da coletividade, como Gabriel ("Oito Anos", da Paula Toller, por Adriana Partimpim -"Por que você é Flamengo/e meu pai Botafogo?").
Viajar é tão fabuloso, tão inspirador e revigorante que deveria ser considerado direito fundamental, necessidade básica incluída em programa social. Ver os outros de perto, ver-se de longe; no que somos diferentes, como somos iguais.
Em meio aos comentários abismados sobre os jovens terroristas em Mumbai, as visões estarrecedoras da devastação em Santa Catarina, a imagem mais comum na televisão é futebol. Na CNN, apesar da conhecida indiferença da maioria dos estadunidenses, há blocos extensos de notícias sobre Copa dos Campeões, Liga Inglesa, Italiana, até Escocesa. No restaurante italiano no centro de Berlim, a TV mostra Sporting Braga x Wolfsburg. Sábado à tarde, um frio desgraçado, pai e filhos jogavam bola em um parque da cidade (e "jogar bola", apesar das inúmeras possibilidades, é sinônimo mesmo de "jogar futebol").
Como pessoas e povos tão diferentes foram se apaixonar pela mesma coisa? Será mesmo a sua simplicidade a razão do sucesso? Vejo os melhores momentos da rodada na TV e tento me imaginar não sabendo bulhufas sobre as regras do jogo. Impossível não entender que a graça do negócio é fazer a bola passar por aquele portal.
Também não é difícil pensar "é tudo sempre igual". Bola levantada na área, gol de cabeça. Bate-rebate, braços levantados pedindo atenção, gol e reclamação. Corte no marcador na entrada da área, chute de longa distância, bola no ângulo. Outro petardo, mãos na cabeça, bola pra fora. Et coetera.
Humanos gostam tanto de novidade quanto de repetição; somos loucos por mudança e variedade, mas apegados ao que é conhecido e familiar. Talvez seja essa a graça do jogo: tudo é muito parecido, repetitivo, e ainda assim surpreendente.
"Quem podia imaginar que o Corinthians campeão, invicto há semanas, perderia justamente para o América, que lutava contra o rebaixamento?" Mas até as surpresas são previsíveis. "Exatamente porque estava relaxado, o resultado não espanta. E era o time reserva." "Por serem os reservas, esperava-se mais gana de vencer." "Vontade não é tudo. Sem qualidade, o esforço é inútil."
"Então o América tem mais qualidade? O time reserva do Todo Poderoso Timão não é melhor que a equipe que escapou por um triz da Série C?." "A motivação tem seu papel; a questão é se é decisiva." "Já vi times sem qualidade vencerem, mas não times sem vontade." "A menos que sejam dois sem vontade... Ou um com zero qualidade."
A discussão, irritante ou deliciosamente previsível, conforme o envolvimento do espectador, se repete toda semana, ano após ano... E a temporada vai chegando ao fim, com novíssimos "déjà-vus" e as surpresas de sempre. Não me canso delas (nem a torcida do Flamengo, do Borussia, do Milan). Viajar, jogar, viver sempre igual, sempre diferente. Deixa a bola rolar.

soninha.folha@uol.com.br


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