São Paulo, Domingo, 02 de Janeiro de 2000


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Análise crítica de clichês do futebol

TOSTÃO
Colunista da Folha

"O importante é competir." O importante é vencer e respeitar o adversário.
"Empatar fora de casa é bom." Em um campeonato que a vitória vale três pontos, empatar é sempre ruim.
"Se Deus quiser vamos vencer." Não se pode duvidar da imparcialidade de Deus.
"O grupo está fechado." O grupo tem de estar aberto, se não vira ditadura e panelinha.
"O grupo está unido." Se perder, dirão o contrário.
"O time está perdendo a segunda bola." Só existe uma.
"Dois a zero é um resultado perigoso." É mais perigoso que três a zero e menos que um a zero.
"Quero ver o time com pegada forte." O time deve ter, antes de tudo, talento.
"A defesa tem de marcar o adversário e não a bola." A defesa tem que ter um olho na bola e o outro no adversário.
"A melhor defesa é o ataque." O time que só ataca ou só defende bem, perde.
"Time com dez jogadores melhora." Raramente acontece, mas como o jogador expulso geralmente é do time perdedor, a equipe é obrigada a reagir.
"O futebol é uma caixinha de surpresas." Boa desculpa para as derrotas.
"O técnico tem o time nas mãos." Ele é que pensa. Jogador é vendaval.
"Pênalti é tão sério que deveria ser cobrado pelo presidente." Os presidentes estão tão sem moral, que é melhor cobrar o jogador.
"Vamos correr atrás do prejuízo." Se o time está perdendo, tem de correr atrás do lucro.
"Vamos jogar no erro do adversário." Tem de jogar é no acerto do time.
"Time que ganha não se mexe." Se pode melhorar, por que não alterar a equipe?
"O time está rifando a bola." Sabia que o futebol era um jogo, mas nem tanto.
"A bola procura o artilheiro." A bola não enxerga, e é o artilheiro que sabe, antes dos outros, aonde a bola vai chegar.
"O time está marcando sob pressão." Se é sob pressão, ele está marcando a si mesmo.
"Pênalti é loteria." O pênalti depende da técnica, do estado emocional de quem cobra, dos treinamentos, do tamanho e competência do goleiro e da sorte.
"Vamos administrar o resultado." Futebol é muito imprevisível e tem muitos mistérios para serem administrados.
"O futebol é um bom produto." Já foi o tempo que o futebol era uma boa paixão.
"Brasil tem o melhor futebol do mundo." Já teve. Hoje, está entre os melhores, mas não é o melhor.
"O Brasil é o país do futebol." É também da música, do Carnaval, da enganação, da injustiça, corrupção e outras coisas mais.
"Para vencer é preciso jogar feio." Esta é uma das maiores burrices do futebol.
"Goleiro brasileiro não sabe sair do gol." Ele tem a mesma dificuldade quanto os de outros países.
"Treino é treino, jogo é jogo." Nem sempre quem treina muito joga bem, mas quem não treina, não vai atuar bem, com exceção de alguns gênios, como Didi, Romário e etc.
"Cruzamento no primeiro e segundo pau." Se a trave é de ferro, por que pau?
"Romário é o novo matador do Vasco." Esporte não é guerra. O jogador fino, criativo e dócil em campo como o Baixinho, não pode ser matador.
"A imagem vale mais que mil palavras." Por que então os narradores de futebol gritam tanto durante as partidas?
Wanderley Luxemburgo, com a intenção de despertar um sentimento cívico, altruísta e de dedicação nos jogadores pré-olímpicos, pressionou e exigiu deles, após uma recusa inicial, a abrir mão dos prêmios, caso conquistem a medalha de ouro. Obviamente, de uma forma ou de outra, os atletas e técnico serão materialmente premiados.
Esta "boa ação" provavelmente vai repercutir positivamente em grande parte dos torcedores brasileiros, revoltados com os altos salários e ostentações de riquezas de alguns poucos jogadores.
Se individualmente ou em conjunto estes jovens tomassem uma atitude expontânea de não aceitar os prêmios ou de o oferecer para uma instituição de caridade, a conduta teria um valor afetivo e simbólico muito maior.
Se todos os envolvidos com a Olimpíada (dirigentes, patrocinadores, intermediários e atletas de todo o mundo) vão ganhar, direta ou indiretamente, com a conquista, por que os profissionais jogadores brasileiros não irão receber por seus trabalhos? A luta e dedicação ao título olímpico são muito mais importantes que o dinheiro, mas não são incompatíveis com a premiação.
A conduta dos jogadores e do técnico é demagógica, hipócrita e amadora. O atual e falso espírito olímpico, que não existe há muito tempo, deveria ser substituído pelo verdadeiro espírito profissional de seriedade, transparência, responsabilidade e coerência.


Tostão escreve às quartas e aos domingos

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