São Paulo, quinta-feira, 02 de fevereiro de 2006

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FUTEBOL

Craques-que-não-foram: Maninho

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Os craques-que-não-foram estão espalhados por aí. São cobradores de ônibus, vendedores de seguros, donos de bar, dentistas e garçons. Eles poderiam ter sido grandes jogadores. Ou sumiriam na neblina dos bancos de reservas. Mas muitos nem chegaram a isso. Por opção, ou falta de, não tentaram a vida de boleiro. Tinham o talento, mas faltou-lhes a chance ou a vontade.
Pelé, o maior de todos os craques-que-foram, teve as duas coisas. E ainda contou com a sorte de passar por um grande professor, Waldemar de Brito, nos seus tempos de Baquinho.
O Baquinho (o nome vem do BAC, sigla do Bauru Atlético Clube) foi uma lenda na primeira metade dos anos 50. Ganhava todos os jogos, de goleada. Tinha três craques: Pelé, que teve mais vitórias do qualquer outro atleta, Paçoca, que acabou dono de um bar chamado Vitória e morreu há algum tempo, e Maninho, ponta-direita muito veloz e que possuía o chute mais forte do time.
"Eu era uma espécie de Pepe, só que jogando do outro lado", diz Maurice Carlos de Oliveira, hoje com 68 anos e morando em São Paulo. Mesmo jogando no time de Pelé, Maninho é que era o cobrador oficial de pênaltis e faltas.
Ele queria ser jogador de futebol e seu ídolo era Cláudio Cristovam de Pinho, o ponta-direita que é o maior artilheiro do Corinthians em todos os tempos.
Mas seu pai não gostava da idéia. O futebol naquele tempo não era visto como uma profissão muito confiável. "Quem era da classe média não gostava da idéia de ter um filho jogador de futebol", explica Maurice. Por conta disso teve que desprezar ofertas do Flamengo e da Ferroviária.
Depois, quando a oposição do pai diminuiu, Waldemar de Brito escreveu-lhe uma carta de recomendação para Lula, e ele marcou um teste no Santos. Mas o time estava excursionando e não chegou no dia marcado, e Maninho acabou desistindo do teste. "Eu era jovem, não tinha muita paciência para esperar."
Depois, aos 19 anos, quando já estudava em São Paulo, fez um treino no Palmeiras. Marcou dois gols, mas não se deu bem com o técnico e abandonou a idéia de ser jogador.
Logo depois passou num concurso do Banco do Brasil, sonho de muitos brasileiros naqueles dias. Com o tempo, formou-se em administração de empresas, subiu na carreira e se aposentou como funcionário do banco.
Maninho não virou jogador de futebol. E até hoje seus amigos, quando o vêem, falam: "Eu esperava que você fosse estourar..."
Mesmo com Waldemar de Brito não era diferente. "Um dia, depois de muito tempo, nos encontramos e ele disse que, se fosse técnico da seleção, eu seria seu ponta-direita", conta Maninho.
Quinze anos atrás, ele fez análise e falou bastante sobre seus dias de Baquinho e do sonho de ser jogador. "Vi que é uma ferida não cicatrizada, porque alguém sempre fala disso. Então não tem jeito... Não existe um arrependimento, mas acho que nasci mesmo para ser jogador de futebol."

O professor de Pelé
Waldemar de Brito foi um grande craque dos anos 30. Em 1933, no São Paulo, foi campeão paulista e artilheiro com 33 gols. No mesmo ano, foi campeão brasileiro pela seleção paulista. Na Copa-34, foi titular. Depois, passou por Botafogo e San Lorenzo (ARG). Em 1936, voltou ao Brasil, onde jogaria pelo Flamengo e seria campeão carioca em 1939. Em 1943, foi para a Portuguesa e dois anos depois encerrava a carreira na Portuguesa Santista. Mas ele ficou mais conhecido como descobridor de Pelé. Foi seu técnico no Baquinho e, segundo Maninho, era um grande professor de futebol, daqueles que ensinam o bê-á-bá. "Ele ensinava tudo, como cruzar, chutar de bico e até bater pênalti. O Pelé aprendeu muito com Waldemar, e hoje ninguém fala dele."

E-mail torero@uol.com.br


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