São Paulo, quinta-feira, 02 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

A hora das cinzas

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Jovem leitor, jovial leitora, eu lhe pergunto: "Você estará vivo(a) daqui a cem anos?". E eu lhe respondo: "Não".
Nem eu. Mas talvez daqui a cem anos alguém ainda se lembre de nós. Ou talvez não. E neste caso experimentaremos uma segunda morte, pois morre-se duas vezes: a primeira, quando deixamos de respirar; a segunda, quando deixamos de ser lembrados.
Sendo assim, talvez alguns jogadores morram antes do segundo modo que do primeiro.
E acho que pensei nisso principalmente por conta de Jorge Mendonça, que morreu há cerca de duas semanas. Ele foi um craque. Com 384 gols, é o 30º maior artilheiro da história do nosso futebol, à frente de jogadores como Sócrates, Mazzola, Tostão, Heleno de Freitas, Garrincha, Rivellino, Zizinho, Reinaldo, Jairzinho etc...
Ele poderia ter sido o herdeiro de Ademir da Guia no Palmeiras. Tinha elegância, cobrava faltas como poucos, era bom no cabeceio e driblava com facilidade. Mas ficou apenas quatro anos e meio no Parque Antarctica, o suficiente para fazer mais de cem gols, mas não o bastante para ter seu nome ligado ao clube como um Dudu ou um Leão.
Jorge Mendonça teve glórias em outras equipes. Num jogo em que o Náutico venceu o Santo Amaro por 8 a 0, ele fez todos os gols. Em 1981, pelo Guarani, foi artilheiro do país com 58 gols. Fez 11 jogos pela seleção (e nunca perdeu), foi campeão pernambucano, paulista e brasileiro (no Guarani, pela Série B).
Mesmo assim, creio que poucos se lembravam de Jorge Mendonça quando ele morreu. Como seu nome não está ligado a nenhuma grande conquista da seleção e ele não é identificado com um único clube, acabou não entrando para o panteão dos imortais, dos inesquecíveis.
O pior é que mesmo o panteão dos inesquecíveis tem suas rachaduras.
Em meu blog tenho feito uma pesquisa sobre jogadores inesquecíveis, e muitos imortais quase nem são lembrados. É claro que a maioria dos leitores é jovem..., mas o fato é que os jogadores da era pré-TV vão para o limbo com muita facilidade.
Gênios inegáveis como Gilmar dos Santos Neves, Djalma Santos, Mauro Ramos de Oliveira e Bellini receberam poucos votos. Pouquíssimos. E a culpa não é dos eleitores, que não podem lembrar do que não viram. Aliás, nem há um culpado. As coisas são assim. Poucos sobrevivem ao tempo.
A vida profissional de um jogador de futebol dura mais ou menos dos seus 20 aos 35, 40 anos. Depois ele passa a habitar a memória da torcida. Ou não. E este "não" deve lhes doer muito. Ter a segunda morte antes da primeira é comum entre os jogadores de futebol. Comum e cruel.
Essa profissão abençoada e maldita de jogador de futebol tem esta perversidade: dá-lhe tudo na juventude: saúde, sonhos e glórias, e vai retirando-as aos poucos.
Mas o pior é que talvez a própria vida seja assim.

Mea-culpa
Relendo o texto acima, achei-o um tanto pessimista. Isso é que dá escrever numa manhã de Quarta-Feira de Cinzas.

Um teste frio
Acho que o teste da seleção acabou não servindo para grande coisa. Nada tão importante aconteceu para mudar a posição de Parreira. O destaque positivo talvez tenha sido Rogério Ceni, porém, se não houver nenhuma contusão de seus concorrentes até lá, deve ficar mesmo de fora. Creio que quem saiu mesmo ganhando com o amistoso foi a Nike. Estreou seu novo uniforme e, de quebra, mostrou dois novos apetrechos: as luvas e uma espécie de cachecol. Mas provavelmente não veremos os garotos brasileiros usando estes acessórios pelas praias brasileiras.


E-mail - torero@uol.com.br

Texto Anterior: Ação - Vaner Vendramini: Canelada
Próximo Texto: Futebol: São Paulo abre Libertadores com vitória
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.