São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Agente laranja" provoca China

Escultor incentiva o uso de roupas alaranjadas para denunciar abusos contra os direitos humanos

Dinamarquês idealizador do protesto, que tem uma obra no Brasil, acredita que sua idéia não pode ser alvo de repressão das autoridades

Petros Giannakouris - 29.mar.08/Associated Press
Imagem de policiais é refletida em óculos de manifestante, que veste laranja em prol dos direitos humanos na China, durante a passagem da tocha por Atenas

LUÍS FERRARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para burlar o rigoroso controle chinês contra denúncias de infrações dos direitos humanos, criatividade. Um escultor dinamarquês, Jens Galschiot, lançou uma campanha incentivando o uso da cor laranja como forma de protesto contra o regime linha-dura de Pequim.
A organização da Olimpíada promete a edição mais grandiosa da história. Mas se preocupa com a avalanche de protestos que pode acompanhá-la, como na cerimônia de acendimento da pira, na Grécia.
"É uma idéia meio maluca, mas que dificilmente pode ser combatida. A repressão chinesa pode e vai evitar demonstrações com cartazes e censurar camisetas com mensagens políticas. Mas dificilmente pode impedir as pessoas de vestirem ao menos uma peça de roupa laranja, como forma de protestar em prol dos direitos humanos", diz Galschiot à Folha.
Sua meta é que jornalistas, atletas, dirigentes e turistas que forem a Pequim em agosto para os Jogos usem ao menos uma peça de roupa laranja.
A idéia de associar esta cor aos protestos surgiu dos trajes dos monges budistas de Mianmar e do Tibete e da Revolução Laranja, movimento de protesto político na Ucrânia em 2004 e 2005. No país europeu, a cor foi usada na campanha do líder de oposição pró-Ocidente, Viktor Yushchenko, que sofreu envenenamento antes do sufrágio e ainda assim chegou ao poder.
"Depois, manifestantes mandaram fazer roupas todas laranjas, que ficaram parecidas com os uniformes dos detidos pelos EUA na base militar de Guantánamo [Cuba]. Denunciar as infrações lá não era o intuito inicial, mas não deixa de ser também uma forma de criticar essa prisão norte-americana", explica o escultor.
A iniciativa tem ganhado espaço na mídia internacional, sobretudo na Europa -na última semana, apareceu na BBC, principal rede de TV britânica.
No Brasil, apenas duas pessoas residentes aderiram à iniciativa, com mensagens ao site www.thecolororange.net.
Segundo Galschiot, também chamou a atenção das autoridades chinesas. Ele afirma que seu site -que entrou no ar há três meses- não pode ser acessado no território dos Jogos Olímpicos e acusa a China de sabotar sua página na internet.
"Há duas semanas, recebemos reclamações de pessoas que receberam vírus enviados "pelo nosso estafe", sem termos mandado nada. Dois dias depois, todo nosso conteúdo saiu do ar misteriosamente, mesmo com nosso servidor protegido. Opositores tibetanos contam que isso acontece normalmente com eles. Mas, para mim, é muito estranho."
O escultor diz não ter patrocinadores nem uma grande equipe por trás da iniciativa. "Meu filho atualiza o site, e dois ou três colaboradores do ateliê ajudam na divulgação." Mesmo assim, o manifesto original já tem tradução em 17 idiomas (inclusive português).
Galsciot afirma que parlamentares europeus já tiveram contato com a iniciativa, "bem recebida tantos pelos de esquerda quanto os de direita".
Para o escultor, sua afinidade com movimentos pró-Tibete e a atuação de denúncia contra violações de direitos humanos na China deve inviabilizar um visto de entrada para o país nos Jogos. Mas não desanima.
Além de incentivar protestos laranjas no périplo da tocha olímpica ao redor do mundo, ele espera estar em Hong Kong no dia da passagem do revezamento, em 2 de maio.
Pintará de laranja uma escultura que inaugurou na cidade em 1997 e que é o único monumento em território chinês que denuncia a repressão sofrida pelos manifestantes da praça da Paz Celestial, em 1989.
Enquanto conversava sobre isso com a reportagem brasileira, Galschiot cogitou também a hipótese de pintar da mesma cor outra escultura similar, a "Coluna da Infâmia", deixada em Belém em 2001, para marcar o massacre dos sem-terra em Eldorado de Carajás (PA).


Texto Anterior: Tênis de mesa: Dois brasileiros obtêm vaga em Pequim
Próximo Texto: COI exige internet livre durante a Olimpíada
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.