São Paulo, sábado, 02 de maio de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

O dedo de Neymar, a sombra de Pelé


A esperança santista, renascida com o tropeço corintiano no PR, pesa sobre os ombros do jovem craque


ESSA EU tenho que contar, embora você possa achar que é mentira. Minha amiga Silvia despertou assustada ao ouvir o marido, o santista Hugo, gritar durante o sono: "Vai botar quem? Vai botar quem? Bota o Pelé!".
O incidente doméstico diz muito sobre a angústia dos torcedores do Peixe às vésperas do segundo jogo da decisão contra o Corinthians. Ao final da derrota por 3 a 1 do último domingo, muitos jogaram a toalha, dizendo: "Não dá mais". Mas, ao longo da semana, a expectativa santista sofreu alterações dramáticas. A primeira delas veio quando o Corinthians tomou três gols do Atlético-PR, algo que não acontecia com o time de Mano Menezes há quase um ano. Os 3 a 0 pró-Furacão, que perduraram até os 42 minutos do segundo tempo, encheram de ânimo os santistas. Estes diziam para si mesmos: "Sí, se puede" ou, à la Obama, "Yes, we can". Para completar, Ronaldo saíra de campo com suspeita de fratura na costela. Os gols de Christian e Dentinho ao apagar das luzes jogaram uma pequena ducha de água fria no espírito praieiro, mas a esperança, esse bicho persistente, já tinha sido despertada. Mas eis que no dia seguinte, quinta-feira, o novo Robinho da Vila, Neymar, sofre um pisão no pé e sai chorando do treino. Uma mera unha encravada, diz o departamento médico. Ao que tudo indica, ele poderá jogar. A esperança do torcedor santista passou a depender do dedinho de um garoto de 17 anos. Parece aquela história do menino que tinha de tapar com o dedo indicador o buraco que podia causar o vazamento de um dique e inundar toda a cidade.
É muita responsabilidade para os frágeis ombros do garoto. Se ele falhar, por ausência ou por ineficiência, o que fazer? "Bota o Pelé!", grita o inconsciente coletivo santista. Por falar no Rei, pensei que já estivesse esgotada a controvérsia sobre quem foi maior, Pelé ou Maradona. Mas me enganei. A bela revista (apesar do nome colonizado) "Four Four Two" traz em sua edição atual, que tem o inevitável Ronaldo na capa, abordagem interessante do assunto.
O veterano jornalista argentino Enrique Macaya Márquez, que esteve em todas as Copas desde 1958, faz uma comparação circunstanciada dos dois craques e termina praticamente em cima do muro. Dando notas para uma série de quesitos, Macaya acaba conferindo 88 pontos (de cem possíveis) para Pelé e 86 para Maradona.
Seu maior equívoco é o de ver apenas na simplicidade e na eficiência a grandeza do brasileiro. Como se Pelé fosse só uma espécie de Elano melhorado, e virtudes como habilidade e fantasia fossem monopólio de Maradona. Sugiro ao nobre colega que veja o documentário "Pelé Eterno" para refrescar a memória. Curioso, na mesma matéria, é ver Pelé "eleito" por um ex-jogador argentino e Maradona por um ex-jogador brasileiro. Explica-se: o argentino é Ramos Delgado, que atuou com o Rei no Santos, e o brasileiro é Careca, que formou uma dupla infernal com Maradona no Napoli. Isso mostra que no futebol, como em todo o resto, o que conta mesmo são as relações humanas. Pelo menos enquanto não inventam o jogador com chip, comandado por um computador.
jgcouto@uol.com.br


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