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LUIZ CARLOS BARRETO
A grande ópera do futebol em cinco atos
1º ato - Envolto num vapor prateado, banhado
por uma chuva de papel
picado, o homem mestiço, digno,
majestoso, sorria tendo nas mãos
o troféu de ouro, a Copa do Mundo. Cafu (Marcos Evangelista de
Moraes) não representava naquele momento apenas a raça
brasileira, ele era a imagem autêntica de uma civilização erguida nos trópicos à base de muito
sacrifício, trabalho, obstinação e
denodo: Brava Gente Brasileira.
2º ato - Os corpos dos jogadores
coreanos estendidos e espalhados
pelo gramado do estádio de Daegu, ao final do jogo Turquia 3 x 2
Coréia do Sul, parecendo um
campo de batalha, com seus mortos e feridos, conferia um ar de final trágico ao jogo entre turcos e
coreanos.
Eis que de repente, não mais
que de repente, surge caminhando entre "mortos e feridos" uma
figura esbelta e atlética; com gestos e atitudes de requintada fidalguia, agacha-se para erguer junto
a si dois jogadores coreanos e,
afagando seus rostos em lágrimas, devolver-lhes a dignidade
de uma batalha perdida com
honra.
3º ato - O homem mestiço (Cafu) já desceu do pódio e vai se
juntar aos seus companheiros,
que esperam ansiosos o momento
de poder tocar e beijar a Copa,
num ato de plena contrição. A seguir, e mais adiante, um grande
círculo humano, composto por
todos os integrantes da delegação
brasileira, se forma e uma oração, em coro, é recitada por todos.
É uma cena que transforma o
estádio de Yokohama num imenso terreiro de umbanda ou candomblé. Enquanto isso, nas imagens que a TV colhe nas arquibancadas, aparecem duas moças
e uma senhora envergando camisas amarelas da seleção, mas já
agora com as cabeças cobertas
por véus brancos, terços nas mãos
num ato de agradecimento pelo
penta. É o sincretismo brasileiro
explodindo; a prova da religiosidade, do poder da fé, desta fé que
nosso povo tem em si mesmo.
4º ato - A iniciativa do gesto fidalgo improvisado pelo centroavante turco Hakan Sukur é imitado por todos seus companheiros; agora temos uma extensa linha ao longo da qual se intercalam camisas brancas e vermelhas. Assim irmanados, muçulmanos e budistas, mãos dadas,
braços levantados, eles saúdam
as torcidas em delírio, numa encenação digna de um grande diretor de cena. Mais que isso, a sublimação e superação das diferenças religiosas, étnicas e ideológicas que tanto perturbam o bom
relacionamento entre os povos.
Um exemplo, ao vivo, para mais
de dois bilhões de espectadores
espalhados por este mundo afora,
tão assolado por conflitos, desigualdades sociais, fome e miséria.
O esporte, o futebol, comprovando que o ser humano ainda é capaz de gestos e atitudes nobres.
5º ato - Estava desfeito o círculo
humano dos brasileiros, a contrição das moças e senhoras se
transformou em euforia incontrolável, os jogadores brasileiros
se entregam ao êxtase da volta
olímpica, e o sol se põe no país do
sol nascente.
Obrigado, Felipão, Marcos, Cafu, Lúcio, Roque Júnior, Edmilson, Roberto Carlos, Gilberto Silva, Kleberson, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Nazário, Rivaldo,
Dida, Rogério Ceni, Belletti, Anderson Polga, Júnior, Vampeta,
Kaká, Edílson, Juninho, Luizão,
Ricardinho e Denílson. Todos rapazes saídos das camadas populares do nosso povo e que provaram que o brasileiro é capaz e
que o Brasil é viável.
Basta ter fé, determinação, disciplina e solidariedade.
Luiz Carlos Barreto é produtor de
cinema, fotógrafo e jornalista
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