São Paulo, terça-feira, 02 de julho de 2002

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LUIZ CARLOS BARRETO

A grande ópera do futebol em cinco atos

1º ato - Envolto num vapor prateado, banhado por uma chuva de papel picado, o homem mestiço, digno, majestoso, sorria tendo nas mãos o troféu de ouro, a Copa do Mundo. Cafu (Marcos Evangelista de Moraes) não representava naquele momento apenas a raça brasileira, ele era a imagem autêntica de uma civilização erguida nos trópicos à base de muito sacrifício, trabalho, obstinação e denodo: Brava Gente Brasileira.
2º ato - Os corpos dos jogadores coreanos estendidos e espalhados pelo gramado do estádio de Daegu, ao final do jogo Turquia 3 x 2 Coréia do Sul, parecendo um campo de batalha, com seus mortos e feridos, conferia um ar de final trágico ao jogo entre turcos e coreanos.
Eis que de repente, não mais que de repente, surge caminhando entre "mortos e feridos" uma figura esbelta e atlética; com gestos e atitudes de requintada fidalguia, agacha-se para erguer junto a si dois jogadores coreanos e, afagando seus rostos em lágrimas, devolver-lhes a dignidade de uma batalha perdida com honra.
3º ato - O homem mestiço (Cafu) já desceu do pódio e vai se juntar aos seus companheiros, que esperam ansiosos o momento de poder tocar e beijar a Copa, num ato de plena contrição. A seguir, e mais adiante, um grande círculo humano, composto por todos os integrantes da delegação brasileira, se forma e uma oração, em coro, é recitada por todos.
É uma cena que transforma o estádio de Yokohama num imenso terreiro de umbanda ou candomblé. Enquanto isso, nas imagens que a TV colhe nas arquibancadas, aparecem duas moças e uma senhora envergando camisas amarelas da seleção, mas já agora com as cabeças cobertas por véus brancos, terços nas mãos num ato de agradecimento pelo penta. É o sincretismo brasileiro explodindo; a prova da religiosidade, do poder da fé, desta fé que nosso povo tem em si mesmo.
4º ato - A iniciativa do gesto fidalgo improvisado pelo centroavante turco Hakan Sukur é imitado por todos seus companheiros; agora temos uma extensa linha ao longo da qual se intercalam camisas brancas e vermelhas. Assim irmanados, muçulmanos e budistas, mãos dadas, braços levantados, eles saúdam as torcidas em delírio, numa encenação digna de um grande diretor de cena. Mais que isso, a sublimação e superação das diferenças religiosas, étnicas e ideológicas que tanto perturbam o bom relacionamento entre os povos. Um exemplo, ao vivo, para mais de dois bilhões de espectadores espalhados por este mundo afora, tão assolado por conflitos, desigualdades sociais, fome e miséria. O esporte, o futebol, comprovando que o ser humano ainda é capaz de gestos e atitudes nobres.
5º ato - Estava desfeito o círculo humano dos brasileiros, a contrição das moças e senhoras se transformou em euforia incontrolável, os jogadores brasileiros se entregam ao êxtase da volta olímpica, e o sol se põe no país do sol nascente.
Obrigado, Felipão, Marcos, Cafu, Lúcio, Roque Júnior, Edmilson, Roberto Carlos, Gilberto Silva, Kleberson, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Nazário, Rivaldo, Dida, Rogério Ceni, Belletti, Anderson Polga, Júnior, Vampeta, Kaká, Edílson, Juninho, Luizão, Ricardinho e Denílson. Todos rapazes saídos das camadas populares do nosso povo e que provaram que o brasileiro é capaz e que o Brasil é viável.
Basta ter fé, determinação, disciplina e solidariedade.


Luiz Carlos Barreto é produtor de cinema, fotógrafo e jornalista



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