São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2004

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FUTEBOL

Tire o seu sorriso do caminho

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

A noite não começa bem. Pego o táxi na São Clemente e peço: Maracanã. Dez minutos mais tarde, pouco avancei. Parece que todo o Rio vai para a final da Copa do Brasil e se estrangula no gargalo do túnel Rebouças. Desisto: fujamos pela Real Grandeza, deixe-me na estação Botafogo.
No metrô, em meio aos cânticos da torcida, um gaiato pergunta: quem matou Odete Roitman? Meia-dúzia fuça o fundo do baú e cantarola o "Lá, lá, lá, Brizola", jingle de 89. Logo entra um tipo com a inscrição "Brizola presente" na camiseta. O caudilho Leonel, torcedor do Bangu, precisou morrer para dar as caras.
Em torno do estádio, faixas do Flamengo campeão. Uma por R$ 3, duas por R$ 5. Provocações aos vascaínos: "Bacalhau, bundão; chegou a hora de ver televisão". Cruzo com o Pierre, que bate: "A Ivete Sangalo já tá aí". Ouço a canção da arquibancada: "Poeira, levantou poeira". Não vejo a Sangalo agora nem a verei depois. Num canto, pequena porém valente, a Fúria Andreense vive e luta. Mas a festa já tem dono. Que não vem do ABC.
Um minuto de silêncio e a dúvida: será pelo velho Briza, esquecido no primeiro jogo? Não, aqui não se respeita nem minuto de silêncio. Placar e alto-falantes não esclarecem. Que falta faz o Victorio Gutemberg, locutor do Maracanã morto outro dia.
Abel escalou três volantes. Da Silva e Róbson compõem a dupla mais defensiva. Douglas fica à frente. Róbson se machuca e dá lugar a outro volante: Jônatas. Agora, estão atrás Da Silva e Douglas. Jônatas arma (ou deveria). Ainda haverá uma terceira parelha: Da Silva e Jônatas. A celebração da covardia. O Flamengo metaforiza o Brasil.
Abel chama Roger na lateral, penso no conto do Sérgio Sant"Anna: o técnico sabia que os jogadores não entendiam bulhufas das suas preleções. Que Roger nada entende, eu sei. Será que o Abel sabe?
Na fileira de trás da tribuna, dois jornalistas conversam. O mais novo conta que a filha insiste: por que só ela não tem irmãozinho? Os pais cumpriram a tabela para engravidar. Tentaram na segunda, na quarta e na sexta. Mas faltaram no domingo. O mais velho quer saber: quanto tempo, nos dias de hoje, as jovens esperam para transar com o namorado?
Há algo mais interessante em campo? Ao Flamengo patético corresponde um time que, obrigado a vencer, encera. O Carlos Simon, clone do Gardel, ousa dar um minuto de acréscimo. Deve ser um sádico daqueles.
No segundo tempo, uma só voz: "Eu sou Flamengo de coração; eu sou do clube que é sempre campeão". Sic. O Santo André volta para matar. Sandro Gaúcho marca, Elvis não morreu amplia. As testemunhas do fiasco vão embora aos magotes. Um nostálgico exuma a queda diante do Bonsucesso em 68. Não faltará quem fale da tragédia de 50. Poucos ficam para aplaudir o Santo André com a taça. Aplaudo de pé. E vejo os rubro-negros, caídos na real, passarem com a sua dor.

Dilemas
Há drama maior que o de Felipão ao ter que escolher entre Pauleta e Nuno Gomes? Claro, o de Abel no Flamengo. Com as opções Negreiros, Diogo e Jean. Pelo menos um sempre joga.

Registro
Para a história sincera do futebol: Rincón foi um jogadoraço. Merecia mais respeito e gratidão do Corinthians no adeus.

Burrice
Vaiavam Parreira e Kaká, vaiam Luis Fabiano. São inteligentes certos são-paulinos.

Na TV
Paulo Calçade, na Record, e Roberto Assaf, na Sportv, dão aula de futebol nos comentários da Euro. Um duelo empatado com sabor de vitória do espectador.

E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br


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