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"Ex-Wanderléa", Raul defende os gays no futebol
Tachado de homossexual, ex-goleiro afirma que até Pelé tentou tirar proveito de fama para tentar desestabilizá-lo
Ex-jogador de Cruzeiro e Fla
disse ser contra preconceito
no campo e fala da pressão
no início da sua carreira por
jogar com camisas coloridas
TONI ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Um agasalho amarelo pedido
como emergência a um colega
de time no vestiário a poucos
instantes de um Atlético-MG e
Cruzeiro no Mineirão. E do improviso, por não ter uma camisa que lhe servisse, o então goleiro Raul surgia para o futebol
como "Wanderléa" por usar
uma camisa chamativa.
Tachado de homossexual,
Raul teve de provar ao longo da
carreira que tudo não passava
da afronta de torcedores rivais.
E até Pelé tentou tirar proveito
nas finais da Taça Brasil de
1966, para desestabilizá-lo.
"Num escanteio, olhei para
ver onde o Pelé estava na área e
me surpreendi quando recebi
piscadinhas maliciosas e demoradas. Levei um susto e os fotógrafos gritavam atrás do gol que
era para mim", fala Raul, 62, em
entrevista à Folha.
O tema do homossexualismo
no futebol ganhou força nesta
semana após o dirigente palmeirense José Cyrilo Júnior
insinuar que o volante Richarlyson, do São Paulo, seria
homossexual. E o ex-goleiro
Raul não fugiu do assunto.
Em seu segundo casamento,
e com uma filha de seis anos, o
hoje secretário de esportes de
Curitiba prega o fim do preconceito e defende o direito dos
homossexuais de jogarem profissionalmente. Heterossexual,
Raul fala também da pressão
que sofreu e da necessidade de
se impor para, então, seguir a
sua trajetória e se tornar o
maior goleiro da história do
Cruzeiro e do Flamengo.
FOLHA - Você era tachado de homossexual no início da carreira. O
futebol tem espaço para os gays?
RAUL - Sim. O sujeito não pode
deixar de ser jogador pela opção sexual. Da mesma forma
que eu quebrei um tabu por
usar camisa colorida, espero
que isso também seja quebrado. Tem que sair atropelando,
para o bem ou para o mal.
FOLHA - Mas e as retaliações?
RAUL - O que acho é que o jogador que assumir precisa ter
personalidade. Muita gente
confunde educação e delicadeza com outra coisa. Eu era um
sujeito educado, de hábitos finos, e nunca fui homossexual.
Se fosse, eu assumiria. Mas sem
dúvida que é um fator complicador e o preconceito inibe
muita gente de se expor.
FOLHA - E a polêmica envolvendo o
Richarlyson, do São Paulo?
RAUL - Ele vai entrar com um
processo, né? Então acho que
não é. Ele não ia comprar uma
briga à toa. E para ser homossexual, o sujeito tem de praticar.
E uma hora isso vem à tona.
FOLHA - Você conheceu algum jogador homossexual?
RAUL - Sim, no São Paulo [não
quis citar o nome]. Ele chegou
comigo [em 1965] e ficou três
meses lá. Todo mundo falava,
mas ele não era assumido.
FOLHA - E como era lidar com o
apelido de Wanderléa?
RAUL - Aquilo me incomodava.
E quem me ajudou foi um psicólogo. Ele falou que a torcida
tentava me desestabilizar porque eu era mais importante do
que Dirceu Lopes e Tostão
[craques do time] por causa da
minha posição. Goleiro não podia falhar. Aí me impus e continuei usando camisas coloridas.
FOLHA - E dentro de campo, você
era provocado?
RAUL - Sim. O Pelé uma vez ficou piscando o olho bem devagar. Depois, quando trabalhamos juntos na TV Globo para a
Copa de 90, eu o encontrei no
corredor e falei com ele. O Pelé
desconversou, disse que não
lembrava. Mas eu lembro bem
da malandragem dele. [risos]
FOLHA - Você começou no futebol
já quebrando tabus. Como foi isso?
RAUL - Por acaso. A camisa do
Cruzeiro não me servia, pedi
um agasalho do Neco [lateral-esquerdo] e colei o número
com uma fita. Quando entrei
em campo foi um espanto, pois
os goleiros só usavam camisa
de cor preta ou cinza. E isso foi
num Atlético-MG e Cruzeiro.
FOLHA - E como foi a reação?
RAUL - Foram segundos de silêncio e até o torcedor do Cruzeiro ficou desconfiado. Pior
foram os companheiros que
saíram de perto de mim. Tive
que aquecer sozinho. E eu torcendo para o jogo começar logo
e acabar com aquilo.
FOLHA - E o apelido de Wanderléa?
RAUL - Eu era jovem, tinha os
cabelos longos e loiros e usava
roupas coloridas, calça baixa,
boca de sino. Essa era a moda.
Era época dos Rolling Stones e
tinha um programa, "Jovem
Guarda", que fazia sucesso. O
Roberto Carlos, o Erasmo, e a
Wanderléa estavam no auge e
eu acompanhava a moda.
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