São Paulo, segunda-feira, 02 de julho de 2007

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"Ex-Wanderléa", Raul defende os gays no futebol

Tachado de homossexual, ex-goleiro afirma que até Pelé tentou tirar proveito de fama para tentar desestabilizá-lo

Ex-jogador de Cruzeiro e Fla disse ser contra preconceito no campo e fala da pressão no início da sua carreira por jogar com camisas coloridas

TONI ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Um agasalho amarelo pedido como emergência a um colega de time no vestiário a poucos instantes de um Atlético-MG e Cruzeiro no Mineirão. E do improviso, por não ter uma camisa que lhe servisse, o então goleiro Raul surgia para o futebol como "Wanderléa" por usar uma camisa chamativa.
Tachado de homossexual, Raul teve de provar ao longo da carreira que tudo não passava da afronta de torcedores rivais. E até Pelé tentou tirar proveito nas finais da Taça Brasil de 1966, para desestabilizá-lo.
"Num escanteio, olhei para ver onde o Pelé estava na área e me surpreendi quando recebi piscadinhas maliciosas e demoradas. Levei um susto e os fotógrafos gritavam atrás do gol que era para mim", fala Raul, 62, em entrevista à Folha.
O tema do homossexualismo no futebol ganhou força nesta semana após o dirigente palmeirense José Cyrilo Júnior insinuar que o volante Richarlyson, do São Paulo, seria homossexual. E o ex-goleiro Raul não fugiu do assunto.
Em seu segundo casamento, e com uma filha de seis anos, o hoje secretário de esportes de Curitiba prega o fim do preconceito e defende o direito dos homossexuais de jogarem profissionalmente. Heterossexual, Raul fala também da pressão que sofreu e da necessidade de se impor para, então, seguir a sua trajetória e se tornar o maior goleiro da história do Cruzeiro e do Flamengo.

 

FOLHA - Você era tachado de homossexual no início da carreira. O futebol tem espaço para os gays?
RAUL
- Sim. O sujeito não pode deixar de ser jogador pela opção sexual. Da mesma forma que eu quebrei um tabu por usar camisa colorida, espero que isso também seja quebrado. Tem que sair atropelando, para o bem ou para o mal.

FOLHA - Mas e as retaliações?
RAUL
- O que acho é que o jogador que assumir precisa ter personalidade. Muita gente confunde educação e delicadeza com outra coisa. Eu era um sujeito educado, de hábitos finos, e nunca fui homossexual. Se fosse, eu assumiria. Mas sem dúvida que é um fator complicador e o preconceito inibe muita gente de se expor.

FOLHA - E a polêmica envolvendo o Richarlyson, do São Paulo?
RAUL
- Ele vai entrar com um processo, né? Então acho que não é. Ele não ia comprar uma briga à toa. E para ser homossexual, o sujeito tem de praticar. E uma hora isso vem à tona.

FOLHA - Você conheceu algum jogador homossexual?
RAUL
- Sim, no São Paulo [não quis citar o nome]. Ele chegou comigo [em 1965] e ficou três meses lá. Todo mundo falava, mas ele não era assumido.

FOLHA - E como era lidar com o apelido de Wanderléa?
RAUL
- Aquilo me incomodava. E quem me ajudou foi um psicólogo. Ele falou que a torcida tentava me desestabilizar porque eu era mais importante do que Dirceu Lopes e Tostão [craques do time] por causa da minha posição. Goleiro não podia falhar. Aí me impus e continuei usando camisas coloridas.

FOLHA - E dentro de campo, você era provocado?
RAUL
- Sim. O Pelé uma vez ficou piscando o olho bem devagar. Depois, quando trabalhamos juntos na TV Globo para a Copa de 90, eu o encontrei no corredor e falei com ele. O Pelé desconversou, disse que não lembrava. Mas eu lembro bem da malandragem dele. [risos]

FOLHA - Você começou no futebol já quebrando tabus. Como foi isso?
RAUL
- Por acaso. A camisa do Cruzeiro não me servia, pedi um agasalho do Neco [lateral-esquerdo] e colei o número com uma fita. Quando entrei em campo foi um espanto, pois os goleiros só usavam camisa de cor preta ou cinza. E isso foi num Atlético-MG e Cruzeiro.

FOLHA - E como foi a reação?
RAUL
- Foram segundos de silêncio e até o torcedor do Cruzeiro ficou desconfiado. Pior foram os companheiros que saíram de perto de mim. Tive que aquecer sozinho. E eu torcendo para o jogo começar logo e acabar com aquilo.

FOLHA - E o apelido de Wanderléa?
RAUL
- Eu era jovem, tinha os cabelos longos e loiros e usava roupas coloridas, calça baixa, boca de sino. Essa era a moda. Era época dos Rolling Stones e tinha um programa, "Jovem Guarda", que fazia sucesso. O Roberto Carlos, o Erasmo, e a Wanderléa estavam no auge e eu acompanhava a moda.


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