São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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Carreira que rende até R$ 100 mil por ano vem à tona com escândalo de manipulação de partidas, sepulta empregos "oficiais" e provoca procura crescente em escolas de formação

"Pote de ouro", arbitragem se torna objeto de desejo

GUILHERME ROSEGUINI
PAULO COBOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Parece a biografia de um jogador de futebol: o garoto humilde calçou chuteiras, vestiu uniforme, conseguiu destaque nos gramados e hoje comemora uma situação financeira privilegiada.
A descrição, contudo, remete à trajetória de um árbitro. Paulo César Oliveira cumpre a regra exigida pelas federações e tem uma profissão não vinculada ao apito -é comerciante-mas nem titubeia quando questionado sobre a sua principal fonte de renda.
"Às vezes, dá para tirar até R$ 10 mil por mês. Posso dizer que 90% de meus rendimentos vêm do futebol. Não tenho motivos para reclamar", conta o juiz paulista, que só nos jogos do Brasileiro deste ano arrecadou R$ 17 mil.
Oliveira não é exceção na classe que ganhou os holofotes na última semana, após a eclosão do escândalo de manipulação de resultados para favorecer empresários que apostavam em sites ilegais.
Criada com o intuito de figurar apenas como um bico, a arbitragem virou profissão de fato, capaz até de superar o faturamento do emprego "oficial". Os cinco juízes que mais comandaram duelos no Nacional, por exemplo, levaram mais de R$ 30 mil em cinco meses.
Não por acaso, a procura por escolas formadoras nesse mercado cresce em ritmo acelerado.
"Por que o cara vai encher laje e ganhar R$ 300 se ele pode levar R$ 90 num fim de semana apitando jogo amador?", questiona o juiz Márcio Rezende de Freitas.
Os números legitimam seu discurso. Freitas e Oliveira, que integram o quadro da Federação Internacional de Futebol, recebem R$ 2.500 por partida na Série A do Brasileiro, além das diárias nas viagens e das passagens de avião.
Seus colegas que não ostentam a insígnia da Fifa ganham R$ 1.500. Somadas participações em torneios como Copa do Brasil, Sul-Americana e Libertadores, os rendimentos anuais dos árbitros de elite chegam a R$ 100 mil.
A forma como o dinheiro é empregado ressalta o caráter de ofício que o apito passou a ostentar.
Por mês, juízes do primeiro escalão despendem até R$ 1.500 com preparação física (entre personal trainer, nutricionista e fisioterapeuta) e teórica (participação em workshops e gastos com aulas de inglês, idioma exigido pelos organismos internacionais).
O valor das taxas de arbitragem vai decrescendo nas divisões inferiores, mas nem por isso ao panorama é diferente. Cássia Alves Dias, que atua em confrontos da Série C, ilustra essa situação.
Funcionária pública na cidade de Contagem (MG), ela ganha R$ 350 por duelo na terceira divisão do Brasileiro. Nos fins de semana, incrementa as receitas comandando jogos infantis e juvenis -recebe entre R$ 60 e R$ 150.
"Eu ganho mais apitando do que no meu trabalho do dia-a-dia. Além disso, a gente vê um futuro promissor", afirma Cássia.
Relatos desse tipo fizeram decolar a procura por cursos de arbitragem nas principais federações estaduais de futebol do país. Em São Paulo, por exemplo, o número de inscrições saltou de 55 em 2003 para 350 em 2005.
O Rio Grande do Sul vai promover em 2006 um curso de formação de árbitros depois de sete anos. Organizadores aguardam 600 inscrições só em Porto Alegre.
Febre semelhante ocorre em federações do Rio, Pernambuco, Minas Gerais e Brasília, fato que já gera reclamações da classe.
"Todo mundo quer dinheiro, mas ninguém pensa nas dificuldades que vai encontrar. O mercado está saturado", diz o juiz Cleber Wellington Abade, em opinião endossada por colegas.

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