São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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Prost se lembra de calor e vaias

Arqui-rival de Senna, francês, que foi alvo de apupos brasileiros, diz que Hamilton pode sentir pressão

Para tetracampeão, torcida do Brasil vibra menos com Massa do que com Ayrton, pois todos esses anos sem título fizeram mal ao país

DA REDAÇÃO

Há 20 anos, um homem sentia na pele, elevada à enésima potência, a pressão que Lewis Hamilton sofrerá hoje das arquibancadas de Interlagos. Nunca, em nenhuma outra área ou situação, alguém incorporou tanto a condição de "inimigo público número 1" do Brasil como Alain Prost, 53.
Arqui-rival de Ayrton Senna, com quem protagonizou os duelos mais ferrenhos da história da F-1, o francês foi, por seis temporadas, o principal alvo de vaias, críticas, zombarias e ataques da torcida brasileira. Nada que abalasse o tetracampeão, 199 GPs e 51 vitórias. Até porque, fosse em Jacarepaguá, fosse em São Paulo, brilhava. É, até hoje, o maior vencedor de GPs Brasil: seis triunfos, em 1982, 84, 85, 87, 88 e 90.
Após três dias de tentativas, o telefone toca e o "bonjour" da caixa postal não vem. O telefone, enfim, é atendido. "Estou dirigindo, mas vamos lá, vamos falando."0 (FÁBIO SEIXAS)

 

FOLHA - Você correu várias vezes no Brasil na posição de grande rival de um brasileiro. É possível fazer paralelo com a situação de Hamilton?
ALAIN PROST
- É muito difícil comparar. São tempos diferentes, situações diferentes... Até as pessoas que trabalham na F-1 são bem diferentes. Naquela época, a batalha era muito mais física, mais dura. Hoje é diferente. Até por serem muito jovens, os pilotos evitam confrontos mais acirrados, que possam manchar a imagem.

FOLHA - Qual é a opinião que você tem da torcida brasileira?
PROST
- Os torcedores brasileiros sempre foram muito entusiasmados com Ayrton. E não vejo o mesmo entusiasmo com Felipe Massa. Esses anos todos sem título fizeram mal ao Brasil, ao amor do brasileiro pela F-1. Mas posso te dizer que, pelo mundo, há muita gente que quer ver o Massa campeão.

FOLHA - Você se sentiu alguma vez maltratado pela torcida?
PROST
- Nunca fui hostilizado pela torcida no Brasil. Vaias são normais, isso acontece, isso era esperado e não me abalava. As pessoas falam apenas da minha rivalidade com Ayrton, mas esquecem que eu também tive intensas batalhas com Nelson Piquet, e não foram poucas. É claro que sempre tinha uma pessoa ou outra que falava alguma bobagem, que tentava esquentar ainda mais nossa rivalidade. Mas acho que a marca que ficou mesmo, que sempre vai ficar, foi a das nossas batidas em Suzuka [que definiram os títulos de 89 e 90 a favor dele e de Senna, respectivamente]. De certa forma, é uma pena.

FOLHA - Nem no auge da rivalidade, após essas batidas?
PROST
- Uma coisa é as pessoas torcerem contra. Outra, é atacarem fisicamente, esse tipo de agressão. Nunca precisei de guarda-costas no Brasil, sempre circulei tranqüilamente pelos lugares, pelas ruas...

FOLHA - E como era o apoio de torcedores na França?
PROST
- É curioso isso, porque eu sentia mais hostilidade na França do que no Brasil. Porque na França as pessoas me respeitavam muito, torciam por mim, claro, mas, se eu cometia um erro, vinha uma gigantesca onda de protestos. Eu era muitíssimo criticado.

FOLHA - Qual é a lembrança mais forte que você tem de um GP Brasil?
PROST
- Lembro de todas as vitórias. Rio e São Paulo eram meus circuitos favoritos, traçados sensacionais. O legal era que o GP Brasil acontecia sempre no começo do ano, e fazíamos muitos testes em Jacarepaguá. A gente saía do inverno na Europa e ia para o Rio. Acho que dá para imaginar como a gente se sentia, né? A gente ficava muito tempo no Rio. Mas, especialmente, lembro da minha vitória no Brasil com a Ferrari [em 1990, em Interlagos].

FOLHA - Você sabia que Jacarepaguá não existe mais?
PROST
- Não sabia. É triste, porque era um circuito sensacional. Hoje em dia a gente vê problemas em outros autódromos pelo mundo, há muita pista nova surgindo, mas não deveriam deixar de lado lugares mágicos como Jacarepaguá.

FOLHA - Hoje, há ginásios onde havia aquela pista...
PROST
- Sério? Que pena...

FOLHA - Vinte anos depois, como você vê aquela rivalidade tão intensa com o Senna?
PROST
- Quando você olha para as coisas 20 anos depois, normalmente você diz: "Se eu soubesse das coisas como sei hoje, faria diferente". De certa forma, o que aconteceu foi uma pena, porque as pessoas lembram apenas daquela rivalidade, das nossas agressões. Todos lembram disso e às vezes se esquecem dos lindos duelos que tivemos. Duros, sempre, mas vários deles muito limpos. Para mim, era difícil, porque as pessoas sempre tendem a torcer e a apoiar o novato, o piloto mais jovem, a novidade. Eu era o mais velho naquela disputa. Eu já era campeão mundial. E acho que isso pesou nas opiniões que as pessoas tinham sobre mim.

FOLHA - Na sua opinião, quem vencerá o campeonato?
PROST
- Sendo muito sincero, acho que qualquer um pode vencer. Felipe fez algumas ótimas corridas neste ano, lembro especialmente da Hungria. Ele dominou a prova, foi absoluto, mas teve aquele problema de motor no final... Se não fosse aquele e alguns outros problemas com a Ferrari, ele teria chegado ao Brasil com quatro, cinco pontos de vantagem no campeonato. Mas Lewis também foi dominante em algumas corridas. Em Spa, ele foi soberbo. Vamos ver amanhã [hoje].

FOLHA - Você já correu contra a torcida no Brasil. Acredita que isso pode abalar Lewis?
PROST
- Não sei se ele vai resistir à pressão. Muitas vezes, há aquela pressão positiva, que o esportista usa como incentivo. Se o carro dele estiver bom, se ele largar na frente e conseguir manter um ritmo bom, acho que ele ganha o campeonato. Mas, se o carro apresentar algum probleminha, aí acho que as coisas podem se complicar. Ele se lembrará do que aconteceu no ano passado, verá a pressão das arquibancadas e pode se atrapalhar no carro.


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