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Prost se lembra de calor e vaias
Arqui-rival de Senna, francês, que foi alvo de apupos brasileiros, diz que Hamilton pode sentir pressão
Para tetracampeão, torcida do Brasil vibra menos com Massa do que com Ayrton, pois todos esses anos sem título fizeram mal ao país
DA REDAÇÃO
Há 20 anos, um homem sentia na pele, elevada à enésima
potência, a pressão que Lewis
Hamilton sofrerá hoje das arquibancadas de Interlagos.
Nunca, em nenhuma outra
área ou situação, alguém incorporou tanto a condição de "inimigo público número 1" do
Brasil como Alain Prost, 53.
Arqui-rival de Ayrton Senna,
com quem protagonizou os
duelos mais ferrenhos da história da F-1, o francês foi, por seis
temporadas, o principal alvo de
vaias, críticas, zombarias e ataques da torcida brasileira.
Nada que abalasse o tetracampeão, 199 GPs e 51 vitórias.
Até porque, fosse em Jacarepaguá, fosse em São Paulo, brilhava. É, até hoje, o maior vencedor de GPs Brasil: seis triunfos, em 1982, 84, 85, 87, 88 e 90.
Após três dias de tentativas, o
telefone toca e o "bonjour" da
caixa postal não vem. O telefone, enfim, é atendido. "Estou
dirigindo, mas vamos lá, vamos
falando."0
(FÁBIO SEIXAS)
FOLHA - Você correu várias vezes
no Brasil na posição de grande rival
de um brasileiro. É possível fazer paralelo com a situação de Hamilton?
ALAIN PROST - É muito difícil
comparar. São tempos diferentes, situações diferentes... Até
as pessoas que trabalham na
F-1 são bem diferentes. Naquela época, a batalha era muito
mais física, mais dura. Hoje é
diferente. Até por serem muito
jovens, os pilotos evitam confrontos mais acirrados, que
possam manchar a imagem.
FOLHA - Qual é a opinião que você
tem da torcida brasileira?
PROST - Os torcedores brasileiros sempre foram muito entusiasmados com Ayrton. E não
vejo o mesmo entusiasmo com
Felipe Massa. Esses anos todos
sem título fizeram mal ao Brasil, ao amor do brasileiro pela
F-1. Mas posso te dizer que, pelo mundo, há muita gente que
quer ver o Massa campeão.
FOLHA - Você se sentiu alguma vez
maltratado pela torcida?
PROST - Nunca fui hostilizado
pela torcida no Brasil. Vaias são
normais, isso acontece, isso era
esperado e não me abalava. As
pessoas falam apenas da minha
rivalidade com Ayrton, mas esquecem que eu também tive intensas batalhas com Nelson Piquet, e não foram poucas. É claro que sempre tinha uma pessoa ou outra que falava alguma
bobagem, que tentava esquentar ainda mais nossa rivalidade.
Mas acho que a marca que ficou
mesmo, que sempre vai ficar,
foi a das nossas batidas em Suzuka [que definiram os títulos
de 89 e 90 a favor dele e de Senna, respectivamente]. De certa
forma, é uma pena.
FOLHA - Nem no auge da rivalidade, após essas batidas?
PROST - Uma coisa é as pessoas
torcerem contra. Outra, é atacarem fisicamente, esse tipo de
agressão. Nunca precisei de
guarda-costas no Brasil, sempre circulei tranqüilamente pelos lugares, pelas ruas...
FOLHA - E como era o apoio de torcedores na França?
PROST - É curioso isso, porque
eu sentia mais hostilidade na
França do que no Brasil. Porque na França as pessoas me
respeitavam muito, torciam
por mim, claro, mas, se eu cometia um erro, vinha uma gigantesca onda de protestos. Eu
era muitíssimo criticado.
FOLHA - Qual é a lembrança mais
forte que você tem de um GP Brasil?
PROST - Lembro de todas as vitórias. Rio e São Paulo eram
meus circuitos favoritos, traçados sensacionais. O legal era
que o GP Brasil acontecia sempre no começo do ano, e fazíamos muitos testes em Jacarepaguá. A gente saía do inverno
na Europa e ia para o Rio. Acho
que dá para imaginar como a
gente se sentia, né? A gente ficava muito tempo no Rio. Mas,
especialmente, lembro da minha vitória no Brasil com a Ferrari [em 1990, em Interlagos].
FOLHA - Você sabia que Jacarepaguá não existe mais?
PROST - Não sabia. É triste,
porque era um circuito sensacional. Hoje em dia a gente vê
problemas em outros autódromos pelo mundo, há muita pista nova surgindo, mas não deveriam deixar de lado lugares
mágicos como Jacarepaguá.
FOLHA - Hoje, há ginásios onde havia aquela pista...
PROST - Sério? Que pena...
FOLHA - Vinte anos depois, como
você vê aquela rivalidade tão intensa com o Senna?
PROST - Quando você olha para
as coisas 20 anos depois, normalmente você diz: "Se eu soubesse das coisas como sei hoje,
faria diferente". De certa forma, o que aconteceu foi uma
pena, porque as pessoas lembram apenas daquela rivalidade, das nossas agressões. Todos
lembram disso e às vezes se esquecem dos lindos duelos que
tivemos. Duros, sempre, mas
vários deles muito limpos. Para
mim, era difícil, porque as pessoas sempre tendem a torcer e
a apoiar o novato, o piloto mais
jovem, a novidade. Eu era o
mais velho naquela disputa. Eu
já era campeão mundial. E acho
que isso pesou nas opiniões que
as pessoas tinham sobre mim.
FOLHA - Na sua opinião, quem
vencerá o campeonato?
PROST - Sendo muito sincero,
acho que qualquer um pode
vencer. Felipe fez algumas ótimas corridas neste ano, lembro
especialmente da Hungria. Ele
dominou a prova, foi absoluto,
mas teve aquele problema de
motor no final... Se não fosse
aquele e alguns outros problemas com a Ferrari, ele teria
chegado ao Brasil com quatro,
cinco pontos de vantagem no
campeonato. Mas Lewis também foi dominante em algumas
corridas. Em Spa, ele foi soberbo. Vamos ver amanhã [hoje].
FOLHA - Você já correu contra a
torcida no Brasil. Acredita que isso
pode abalar Lewis?
PROST - Não sei se ele vai resistir à pressão. Muitas vezes, há
aquela pressão positiva, que o
esportista usa como incentivo.
Se o carro dele estiver bom, se
ele largar na frente e conseguir
manter um ritmo bom, acho
que ele ganha o campeonato.
Mas, se o carro apresentar algum probleminha, aí acho que
as coisas podem se complicar.
Ele se lembrará do que aconteceu no ano passado, verá a pressão das arquibancadas e pode
se atrapalhar no carro.
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