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SUPERAMADOR / CORRIDA DE AVENTURA
Esporte protege e testa atletas "sonâmbulos"
Pesquisa compara os danos provocados por horas sem dormir em sedentários e em pessoas que deliram e até cochilam em pé nas trilhas
Em provas de até sete dias, competidores encaram os efeitos da falta de sono
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Eles já caminhavam havia
horas, o trecho era monótono,
sem grandes riscos. Exausto,
Rafael Campos não teve dúvida: pediu para um de seus colegas segurar a outra ponta do
bastão que usava para se apoiar
durante a caminhada e assim
não perder o rumo. Continuou
a travessia. Só que dormindo.
Metros depois, os colegas lhe
pediram detalhes do mapa.
"Eu comecei a falar sobre
sanduíches. Meu sonho entrou
na conversa", relembra o atleta,
navegador de sua equipe.
O cenário era o Mundial de
corrida de aventura, realizado
há duas semanas, na Suécia.
Andar durante o sono ou dormir entre uma remada e outra
são práticas constantes de
quem se embrenha nessas
grandes competições. As horas
de descanso são raríssimas,
mas os atletas conseguem completar as provas e não se perder
no meio do mato mesmo após
vários dias acordados.
O fenômeno intrigou pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo. Afinal, o que
faz com que eles consigam se
manter lúcidos o suficiente para encarar esses desafios?
A resposta encontrada é simples: a prática de um esporte.
A pesquisa concluiu que,
quando em ação, o atleta é mais
protegido dos efeitos nocivos
das horas e horas em claro.
O estudo tem ajudado os praticantes das corridas de aventura a traçar estratégias para
aproveitar melhor os exíguos
minutos de sono nas provas.
E também pode ser a base para planos de auxílio a profissionais que precisam enfrentar
longos turnos sem dormir, como médicos ou bombeiros.
Nas corridas de aventura,
bons preparo físico e psicológico são fundamentais. As provas
geralmente envolvem trechos
de remo, caminhada e bicicleta,
ancorados pela orientação por
mapas e bússolas.
Por causa da falta de sono
-há equipes que competem
sem cochilar-, é comum que
atletas delirem e briguem.
"Tem gente que ouve espíritos da floresta, pára várias vezes porque acha que alguém se
perdeu... A maior parte das ultrapassagens ocorre à noite",
diz Hanna Karen Antunes, pesquisadora do Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício, que coordenou a pesquisa.
Segundo ela, paradas de 20
minutos já podem fazer a diferença na condição dos atletas.
"Se ele fica mais de 36, 48 horas
sem dormir, apesar de achar
que está bem, corre sérios riscos. Sofre mais de depressão,
ansiedade, fadiga, estresse, alucinações... Se tiver um trajeto
vertical pela frente, a chance de
acidente é de 100%", diz.
Na primeira parte da pesquisa, foram acompanhados grupos de atletas em três corridas
de aventura no Brasil.
As cobaias passaram por exames antes da prova e tiveram os
padrões de sono analisados. Assim que cruzaram a linha de
chegada, exaustos, foram "seqüestrados" para novos testes.
Cada competidor perdeu de
6.500 a 10 mil calorias por dia,
valor impossível de ser reposto
com alimentação diária.
Os resultados da análise do
sangue foram assustadores.
"Era como se fossem não-atletas com problemas sérios
de saúde", relembra Hanna.
A surpresa, porém, surgiu no
exame psicológico. Os atletas
perderam sensivelmente as capacidades de memória, atenção
e de tomar decisões, mas ficaram na zona de normalidade.
Para descobrir porque isso
aconteceu, os pesquisadores simularam uma corrida de aventura em laboratório. E colocaram como espectadores atletas
e sedentários, que só dormiam
quando as cobaias dormissem
-eram liberados para ver TV,
jogar videogame e passear.
"Eu participei de uma corrida e fui espectador no laboratório. Foi muito mais difícil ficar
acordado sem fazer exercício",
afirma Rafael Campos, 29.
O teste mostrou que quem
estava em ação sofreu menos
danos ao passar mais de 80 horas acordado -dormiram por
apenas uma hora. Os sedentários e os outros atletas tiveram
os mesmos resultados, piores
do que os dos aventureiros.
"Um dos voluntários não
conseguiu completar o teste e
pediu para sair. Fui levá-lo até o
elevador, e ele cumprimentou
seu reflexo", conta Hanna.
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