São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2011

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JOSÉ ROBERTO TORERO

As penas das penas


E se houvesse um inferno para os jornalistas esportivos, qual seria meu castigo?


Segundo uma antiga lenda sueca, citada por Lars Langsborn em seu livro "Enciclopédia dos Mil Infernos e Seus Castigos", há um local nas profundezas reservado aos escritores.
Estes, em vez de sofrerem com chamas ardentes ou caldeirões escaldantes, receberiam uma escrivaninha, papel e pena (a lenda é antiga, antes dos notebooks) e passariam o tempo todo escrevendo. Mas seria uma escrita triste e infrutífera, porque a tinta mal secaria e já começaria a se apagar, de modo que os escritores teriam como castigo eterno escrever sem que suas letras tivessem chance de sobreviver ao dia seguinte, talvez o maior pesadelo de um escritor.
Pois bem, fico pensando se não haverá também um inferno assim para nós, os jornalistas esportivos. Neste caso, os castigos poderiam ser um pouco diferentes, dependendo do pecado cometido.
Por exemplo, para aqueles que escrevem de maneira muito complicada, com teses estapafúrdias e estatísticas esdrúxulas, cruzando dados absurdos e chegando a conclusões inúteis, as letras se embaralhariam, de modo que não se conseguiria ler nem uma palavra. Para os que afetam indignação e se inflamam falsamente, fingindo brigar só para aumentar a audiência do programa, o castigo seria escrever em folhas molhadas - a tinta que saísse de sua pena sempre borraria, sem jamais conseguir escrever uma letra.
Para os que dão crédito a boatos e fofocas, vendendo jogadores todos os dias para todos os times, que espalham qualquer informação dada por empresários (e nem se lembram de desmentir no dia seguinte), o cruel castigo seria que eles começariam o dia escrevendo em folhas enormes, mas elas, assim como as mentiras têm pernas curtas, também iriam ficando mais curtas aos poucos, apertando as linhas e espremendo as letras, de modo que no final do dia as palavras estariam formando apenas uma mancha negra num minúsculo pedacinho de papel.
Para os que vendem sua opinião, fazendo comerciais ou elogiando jogadores em troca de propina, a pena seria que sua pena só conseguiria escrever cifrões, sem jamais formar uma única palavra.
E, por fim, haveria um inferno dedicado aos mentirosos. Para esses, o castigo seria que suas letras sairiam voando de suas páginas e eles ficariam pelo gabinete a caçá-las, mas inutilmente, porque elas escapariam entre seus dedos como pequenas borboletas. E é nesse inferno que eu penaria, porque não existe nenhum Lars Langsborn e nenhuma lenda sueca sobre um inferno para escritores.


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