São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

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Vitória ajuda a superar preconceitos

VICTOR ANDRADE DE MELO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Já há décadas, alguns investigadores têm se dedicado a observar o esporte para além de seu caráter supostamente ingênuo, buscando descortinar o que envolve essa que é uma das mais populares e influentes manifestações culturais. O esporte incorpora e traduz parte das dimensões que marcam o contexto histórico em que se insere; é um laboratório das múltiplas facetas dos relacionamentos sociais.
Nesse sentido, não é surpreendente sua relação com a política (ainda que algumas agências do campo esportivo insistam em negá-la), bem como com as tensões culturais de determinado tempo. As questões raciais e os discursos que configuraram os mais diversos preconceitos também são perceptíveis na trajetória do esporte no século 20.
Algumas recentes lembranças. Tommie Smith e John Carlos, medalhistas nos 200 m na Olimpíada de 1968 (Cidade do México), no pódio realizaram a saudação "black power" dos Panteras Negras, sendo por isso expulsos da delegação norte-americana.
Vinte e oito países boicotaram a Olimpíada de 1976 (Montréal) como protesto antiapartheid.
Muitos foram os negros que venceram barreiras e, obtendo vitórias, contribuíram para contestar teorias que propugnavam inferioridade racial.
Se atletas negros mais rapidamente se impuseram em algumas modalidades, em outras isso não se deu da mesma forma.
Houve até estudos "científicos" que buscaram provar o porquê da sua "inabilidade" para algumas provas: supostamente teriam mais dificuldade de nadar devido à densidade dos ossos; seriam incapazes do ponto de vista psicológico; não teriam formação muscular adequada para práticas refinadas.
Hoje se sabe que a questão, além do preconceito, é a falta de oportunidades, havendo forte articulação com as dimensões relacionadas à classe social.
A vitória de Hamilton tem um enorme elemento simbólico: é mais uma contribuição para a superação dos preconceitos que ainda persistem.
É lógico que um negro, quando dispõe de um conjunto de oportunidades, pode fazer exponenciar seu talento, nas pistas de atletismo, nos campos de futebol ou nas pistas da mais importante categoria do automobilismo.
Essa conquista tem seu simbolismo potencializado, por estarmos às vésperas da eleição nos EUA, onde um negro tem chance de se tornar o presidente da ainda mais poderosa nação do planeta. Coincidência? Talvez não, mas sim expressão de um momento em que preconceitos e estereótipos seguem sendo desmontados.
De qualquer forma, ainda é de estréias parte da história dos negros: o primeiro presidente, o primeiro campeão. Devemos seguir lutando para que no futuro isso deixe de ser algo extraordinário; que definitivamente os indivíduos sejam considerados não pela cor da pele, idade ou classe social, mas pela competência; seja no esporte ou para conduzir os caminhos de uma nação.


VICTOR DE ANDRADE MELO é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do grupo de pesquisa "Sport": Laboratório de História do Esporte e do Lazer


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