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Vitória ajuda a superar preconceitos
VICTOR ANDRADE DE MELO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Já há décadas, alguns investigadores têm se dedicado a observar o esporte
para além de seu caráter
supostamente ingênuo,
buscando descortinar o
que envolve essa que é
uma das mais populares e
influentes manifestações
culturais. O esporte incorpora e traduz parte das dimensões que marcam o
contexto histórico em que
se insere; é um laboratório
das múltiplas facetas dos
relacionamentos sociais.
Nesse sentido, não é
surpreendente sua relação
com a política (ainda que
algumas agências do campo esportivo insistam em
negá-la), bem como com
as tensões culturais de determinado tempo. As
questões raciais e os discursos que configuraram
os mais diversos preconceitos também são perceptíveis na trajetória do
esporte no século 20.
Algumas recentes lembranças. Tommie Smith e
John Carlos, medalhistas
nos 200 m na Olimpíada
de 1968 (Cidade do México), no pódio realizaram a
saudação "black power"
dos Panteras Negras, sendo por isso expulsos da delegação norte-americana.
Vinte e oito países boicotaram a Olimpíada de
1976 (Montréal) como
protesto antiapartheid.
Muitos foram os negros
que venceram barreiras e,
obtendo vitórias, contribuíram para contestar
teorias que propugnavam
inferioridade racial.
Se atletas negros mais
rapidamente se impuseram em algumas modalidades, em outras isso não
se deu da mesma forma.
Houve até estudos "científicos" que buscaram provar o porquê da sua "inabilidade" para algumas provas: supostamente teriam
mais dificuldade de nadar
devido à densidade dos ossos; seriam incapazes do
ponto de vista psicológico;
não teriam formação muscular adequada para práticas refinadas.
Hoje se sabe que a questão, além do preconceito, é
a falta de oportunidades,
havendo forte articulação
com as dimensões relacionadas à classe social.
A vitória de Hamilton
tem um enorme elemento
simbólico: é mais uma
contribuição para a superação dos preconceitos
que ainda persistem.
É lógico que um negro,
quando dispõe de um conjunto de oportunidades,
pode fazer exponenciar
seu talento, nas pistas de
atletismo, nos campos de
futebol ou nas pistas da
mais importante categoria
do automobilismo.
Essa conquista tem seu
simbolismo potencializado, por estarmos às vésperas da eleição nos EUA,
onde um negro tem chance de se tornar o presidente da ainda mais poderosa
nação do planeta. Coincidência? Talvez não, mas
sim expressão de um momento em que preconceitos e estereótipos seguem
sendo desmontados.
De qualquer forma, ainda é de estréias parte da
história dos negros: o primeiro presidente, o primeiro campeão. Devemos
seguir lutando para que no
futuro isso deixe de ser algo extraordinário; que definitivamente os indivíduos sejam considerados
não pela cor da pele, idade
ou classe social, mas pela
competência; seja no esporte ou para conduzir os
caminhos de uma nação.
VICTOR DE ANDRADE MELO é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do grupo de pesquisa
"Sport": Laboratório de História do Esporte e do Lazer
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