São Paulo, segunda-feira, 03 de dezembro de 2007

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O ano em que o time derrubou a Fiel

Orgulhosa de seu papel, torcida se esforça até o fim, mas não supera as limitações e os "reforços" do clube do coração

No Tatuapé, bar recebe Zé Maria, Marlene Matheus e mais 400 fãs; na quadra da Gaviões, cem torcedores sofrem diante de velha TV


MÁRVIO DOS ANJOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Décimo segundo e mais importante jogador da história corintiana, a torcida ontem parecia reavaliar seu papel. O ano de 2007 será lembrado como aquele em que um time do Parque São Jorge derrotou a Fiel. Quando o árbitro Alício Pena Júnior encerrou a agonia, veio à tona um sentimento de impotência de uma massa de anônimos que sempre se orgulhou de jogar junto com a equipe e superar os piores desafios. Um sentimento vivido no Tatuapé, no Bom Retiro, na Vila Madalena, nos Jardins, onde quer que houvesse uma concentração. Na quadra da Gaviões, epicentro da paixão corintiana no bairro do Bom Retiro, a dor era palpável. Um torcedor se deitou no chão. Outros choravam, escorados em paredes, agachados na porta. Casais se abraçavam, consolando-se.
No QG da principal organizada, que migrou em massa para Porto Alegre, não havia ninguém meia hora antes da partida. Aos poucos, porém, cem torcedores chegaram para assistir ao jogo -ou melhor, a uma noção dele- numa TV de 20 polegadas, vinda do barracão. Cheia de fantasmas. Sem som. De fato, corintiana. Segundo o metalúrgico e gavião Carlos Henrique, da Ponte Rasa, a TV só foi conseguida aos 20min do primeiro tempo, e as caixas de som não davam vazão.
A solução foi abrir o porta-malas de um carro com rádio AM. Cenário bastante diferente do bar Museu Preto e Branco, tradicional reduto corintiano no bairro do Tatuapé. Telão e TVs transmitiam o jogo diante de mais de 400 mosqueteiros de todas as castas.
Lá, ex-jogadores, como Zé Maria e Adãozinho, e ex-cartolas, como Marlene Matheus, mesclavam-se à agonia de anônimos kalungas, suvinis, pepsis e samsungues no calor infernal. Tirar a camiseta no recinto era proibido, tanto por respeito ao bar quanto pelo time.
O telão sincronizava os que foram e os que ficaram. Cada vez que câmeras focalizavam torcedores cantando, o bar se juntava à arquibancada corintiana do estádio Olímpico num uníssono que cobria 1.109 km entre as capitais de São Paulo e do Rio Grande do Sul.
A Fiel havia agüentado bem o baque no gol precoce de Jonas. Mesmo com muitos de seus membros em lágrimas, o Tatuapé cantava, o Corinthians melhorava, e assim Clodoaldo empatou a partida. Intervalo.
Marlene Matheus sorria, confiante. Jamanta, o primeiro a envergar a camiseta do movimento "Fora Dualib", mostrava outra roupa, com os dizeres: "Brasileiro sem Corinthians é como Copa sem Brasil".
A reportagem vai atrás de outros sinais da via-crúcis. Nas calçadas, poucas pessoas. Trânsito bom na Radial Leste. São Paulo parecia estar em casa, estacionada diante das TVs. Até mesmo no seqüestro do casal no Jardim São Carlos, zona leste de São Paulo, que durou quase 18 horas, alguns policiais militares perguntavam sobre a partida de Porto Alegre. Pelo rádio, ouve-se que há um pênalti cobrado três vezes no Serra Dourada. O Corinthians voltava à zona de rebaixamento e, num Siena ao lado do carro da Folha, um pai de família comemorava, ao lado da mulher e de duas crianças.
O trânsito torcia contra o Corinthians. Poucos metros antes do Preto e Branco, no começo do primeiro tempo, uma moça no semáforo entregava um panfleto imobiliário perguntando quase ao mesmo tempo se o Grêmio tinha feito 1 a 0. Diante do sim, satisfez-se. A reportagem volta à quadra do Bom Retiro. O 2 a 1 do Goiás estava estabelecido, e o Corinthians já não ia mais à frente com a freqüência de antes. Escanteios, cada vez mais escassos, eram aplaudidos.
A rádio AM avisava: fim de jogo em Goiânia. Alguns abandonavam as cadeiras. O Timão não encontrava o caminho do gol, por mais que se gritasse. Não bastou ser fiel a cada jogo, o ano inteiro. Hiper-reforçado por investidores russos, cartolas investigados, três técnicos e muitos jogadores limitados, o Corinthians conseguiu o incrível: derrotou a Fiel.


Colaborou KLEBER TOMAZ, da Reportagem Local


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