São Paulo, sábado, 04 de janeiro de 2003

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Equipe americana contrata um Silva de sotaque mineiro e quebra tabu histórico na liga local

Um brasileiro no futebol "errado"

Divulgação
Damian tenta segurar a bola de futebol americano em jogo do Barcelona Dragons, da NFL Europa


PAULO GALDIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Se não fosse por seu sobrenome, Damian seria apenas mais um entre os muitos jogadores que formam os inchados elencos de um time de futebol americano. Não pelo "Vaughn", que completa seu nome, mas sim, os brasileiríssimos "Medeiros da Silva".
Damian Medeiros da Silva Vaughn, 27, é o primeiro brasileiro num time profissional de futebol americano nos EUA.
Damian Vaughn, como é conhecido, joga no ataque, como "tight end", e até o fim da temporada 2002/2003, em fevereiro, tem contrato com o Tampa Bay Buccaneers, um dos mais fortes entre os 32 times da NFL, a liga norte-americana profissional.
A posição escolhida por Vaughn é uma das mais versáteis do esporte. Combina a necessidade de o atleta ser forte e ágil. Sua obrigação é de bloquear as ações dos defensores rivais, mas também de ajudar a ganhar território no ataque recebendo passes e, eventualmente, marcar pontos.
Nascido na cidade de Anchorage, no gélido Estado do Alasca (EUA), Damian tem dupla nacionalidade: é norte-americano, como seu pai, William, e brasileiro, por causa de sua mãe, a mineira Cássia Medeiros Vaughn.
E foi em Divinópolis (MG), cidade natal de sua mãe, que o então futuro jogador profissional viveu dos seis meses aos cinco anos, quando seu pai decidiu levar a família de volta para o território norte-americano.
Apesar de estar há tanto tempo nos EUA, Vaughn teve prezados, pelo esforço de dona Cássia, os laços estreitos com o Brasil, o que fica bem evidente pelo português sem sobressaltos e com certo sotaque mineiro falado por ele.
"Minha mãe manteve a cultura brasileira muito presente na minha vida. Desde a comida, a música, o idioma, até a intimidade entre nós, que é mais comum nas famílias brasileiras do que nas americanas. Tenho memórias muito claras e boas de todos meus dias em Divinópolis. Me sinto como se tivesse nascido lá", diz. "Tenho planos de voltar a morar no Brasil quando encerrar minha carreira."

Do futebol para o "football"
Só quando retornou ao hemisfério norte - foi morar em Orrville, uma cidadezinha que tem cerca de de 8.000 habitantes, no interior do Estado de Ohio, e onde sua mãe hoje é professora de espanhol - é que o garoto teve seu primeiro contato com o "football", tão diferente do futebol praticado pelas ruas de Divinópolis.
"Meu primeiro contato com futebol americano foi de arregalar os olhos. Não só pelo formato da bola, mas também pela intensidade e agressividade do jogo. Eu amei aquilo", diz Vaughn.
Ao adotar o futebol americano, mais popular e rico esporte dos EUA, como sua modalidade predileta, o brasileiro traçou sua vida em função da bola oval. Quando teve de optar pela universidade que frequentaria, Vaughn preferiu abrir mão das bolsas de estudos oferecidas a ele por instituições com pouca ou nenhuma tradição em fornecer atletas à NFL.
Decidiu bancar seus estudos no primeiro ano no curso de Filologia da Miami University, de Ohio, de onde saíram muitos atletas e técnicos para a NFL.
"Não recebi muito reconhecimento, apesar de ter jogado bem no "high school" [equivalente ao ensino fundamental". Me achavam muito pequeno ou muito lento para a divisão principal do futebol universitário", explica.
"Tive de batalhar muito e acreditar nas minhas condições para provar ser digno de um investimento. No ano seguinte, eu consegui a bolsa escolar completa e acabei sendo titular em 7 dos 11 jogos", relata o brasileiro.
Vaughn chegou pela primeira vez à NFL em 1998, ao ser escolhido no "draft" pelo Cincinnatti Bengals, atualmente uma das piores equipes da liga.
"Foi o momento de maior ansiedade e frustração da minha vida. Achei que seria pego na quarta rodada e recebia seguidas ligações de vários times dizendo que me escolheriam em seguida. Finalmente, os Bengals me pegaram na sétima rodada. Por um lado estava feliz em ser escolhido, mas por outro, frustrado por esperar mais do que aquilo." Em 2001, após passar pelo Miami Dolphins, foi contratado pelo Tampa Bay.

NFL Europa
Se ainda não é um dos jogadores mais conhecidos nos EUA, Damian teve duas marcantes passagens pelo Barcelona Dragons -um dos seis times da NFL Europa, a versão do velho continente para a liga de futebol americano-, em 2000 e no ano passado.
Lá, chegou a fazer parte da seleção dos melhores jogadores da temporada. "A vida na Europa foi inspiradora, educativa. Fiz muitos amigos de verdade e acabei com mais um lar, em Barcelona."
Mas, para o brasileiro, o melhor de ter atuado na Europa, um lugar onde o futebol americano não tem o mesmo apelo que nos EUA, foi poder voltar a jogar como titular "o que trouxe de volta muita confiança que tinha ido embora" com o tempo que ficou apenas treinando, sem muitas chances de jogar uma partida.
Apesar do sucesso no Barcelona, Vaughn não pretende voltar para lá: "Hoje já não quero mais. Já fiz tudo o que podia por lá".
Atualmente Vaughn está sem poder jogar por causa de uma contusão nos tendões-de-aquiles (operou recentemente o do pé direito), o que o obrigou a abandonar a esperança de ser relacionado, ainda que como reserva dos Buccaneers, para uma das partidas da atual temporada.
A gravidade da contusão pode obrigá-lo a deixar de lado a prática do futebol americano em 2003, caso não se recupere a tempo de assinar um novo contrato com alguma franquia -a maioria das contratações de jogadores na NFL acontece em março.
Mas nem a possibilidade de deixar, pelo menos temporariamente, a liga americana fazem o representante dos Medeiros da Silva na NFL sentir-se menos realizado.
"Tem sido um privilégio ser brasileiro e jogar um esporte americano. Definitivamente sinto um espírito de realização."


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