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FUTEBOL
Sou um gênio!
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
- Tira o Bira, seu burro!
- Burro é o filho do
seu pai, seu ...
Ôps! O câmera está vindo para
cá. Não pega bem eu aparecer falando palavrão. Acho melhor eu
só me levantar e dar uma bronca
no time: - Pega, pega!
Talvez eu devesse gesticular
mais. Vou franzir bem a testa e levar as mãos à cabeça para melhorar o efeito. Acho que ficou bom.
Vou gritar de novo: - Olha as
costas! Compacta melhor o meio!
"Compacta!" Gostei dessa. É
sempre bom dizer umas palavras
difíceis. Deixa a gente com um ar
inteligente. Não fiz aquele curso
de técnico à toa, não.
- Tira o Bira, seu burro!
Não é fácil a vida de treinador.
Com esse time, então, é quase um
suicídio! Quando eu cheguei, a diretoria prometeu o paraíso. Ia fazer uma parceria com um time da
França, ia contratar fulano e beltrano, ia me dar uns juvenis que
eram uma geração de ouro... E o
pior é que eu acreditei. Hoje estou
nesse inferno... O time da França
era de Franca, o fulano não acertou com a gente, o beltrano assinou com o time rival, e a tal geração de ouro não chega nem a
bronze. Para piorar, estamos perdendo por 1 a 0 e tem uns caras
aqui atrás me enchendo o saco
desde o começo do jogo:
- Tira o Bira, seu burro!
Esses imbecis não entendem nada de tática. O Bira é um centroavante meio pesadão, mas é a minha referência na área. Está certo
que hoje só fez besteira e perdeu
dois gols feitos, mas é quem faz o
pivô para os que vêm de trás.
Adoro essa palavra, "pivô". Acho
que o pessoal usa isso no vôlei.
- Tira o Bira, seu burro!
Realmente o Bira não está num
bom dia. Mas o meu banco não é
grande coisa. O Zé Luís dá uns
dribles bonitos de vez em quando,
mas não passa a bola nem se eu
puser um 38 na testa dele.
- Tira o Bira, seu burro!
Eu devia ter aceitado aquela sociedade que o meu cunhado me
propôs. Ser sócio de concessionária ia me dar muito menos dor de
cabeça do que ficar sendo xingado debaixo desse solão e tentando
fazer aqueles desnutridos entenderem um pouco de estratégia.
Mas não, eu fui teimoso...
- Tira o Bira, seu burro!
Ou talvez um bar. Eu sempre
quis ter um bar. Só que eu ia dar o
maior prejuízo para mim mesmo.
- Tira o Bira, seu burro!
Quer saber? Vou tirar. Vou chamar o Zé Luís e mandar ele cair
mais para a direita, porque o lateral deles está cansado e já tomou
o amarelo. Vou pôr ele ali para
ver se, pelo menos, cavo uma expulsão. Aí eu mudo de 4-2-4 para
4-3-3 na variante para o 3-5-2
com a projeção do lateral, e o Zé
Luís caindo para o meio.
- Zé Luís, vem cá!
Depois desse escanteio eu coloco
o garoto. O Bira não dá mesmo...
Opa, a bola vem vindo, o Bira subiu, cabeceou... Gol! Goooool!
Nem sei como comemorar! Nem
sei porque estou indo para o
alambrado, nem sei porque estou
pondo o dedo na cara daquele sujeito e dizendo que burro é o filho
do pai dele, que eu tenho idéias
próprias e não me rendo à opinião da maioria... Sou um gênio!
K
Kristo, de Galiléia (MG), recebeu esse nome porque sua mãe
era uma pessoa muito religiosa.
A devoção acabou passando
para o filho, e Kristo só não se
tornou padre porque seu talento como meia-direita era divino. Os gols se multiplicavam
aos seus pés. Mas, na decisão do
campeonato, ao entrar em
campo viu que o goleiro adversário tinha olhos azuis e barba
idêntica à do Filho do Homem.
Kristo jogou mal, muito mal
naquele dia. Chegou até mesmo a desperdiçar um pênalti,
talvez por ver o goleiro de braços abertos no meio do gol,
igualzinho ao Crucificado. No
fim, seu time saiu derrotado
por 1 a 0, gol contra de Kristo.
Todos em Galiléia acham que
ele se vendeu ao outro time. E,
para seu desespero, agora o
chamam de Judas.
E-mail: torero@uol.com.br
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