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FUTEBOL
Os técnicos: Parmênides
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Há muitos anos, viveu um
grande homem chamado
Parmênides. Parmênides de Oliveira.
Seu renome foi firmado nos
campos de futebol amador, sempre à frente do Clube Atlético Luz
do Saber. Antes dele, o time teve
vida apagada: vegetava entre o
sexto e o décimo lugares nos campeonatos da cidade.
Parmênides era um sistemático.
Ele rejeitava as modificações da
ordem natural. Tanto que não
cortava o cabelo ou as unhas.
Quando outros se queixavam, ele
não se importava, apenas respondia com uma de suas frases mais
conhecidas: "O que é, é".
Eis a base do pensamento de
Parmênides: uma coisa é uma
coisa, portanto nunca pode se
transformar noutra coisa. Traduzido em termos futebolísticos, significava que um goleiro é um goleiro, um lateral é um lateral e assim por diante. Se alguém quisesse irritá-lo, era só dizer a palavra
"improvisação".
Com o apoio dos dirigentes, o
técnico-pensador pôs em prática
a nova filosofia. E tome treinamentos específicos: os goleiros saltavam, os laterais cruzavam, e os
avantes saíam dos treinos meio
tontos, tantas as cabeçadas que
tinham que dar. Volta e meia os
atletas se reuniam para protestar:
- Poxa, professor, vamos fazer
um rachão, um bobinho, um
"dois toques"!
Inútil. Parmênides dizia que
eles só seriam alguém se se dedicassem a alcançar o ápice de suas
potencialidades.
- Ápice?
- Ó, ignaros! Ápice vem do latim apex. Era um espigão de pau
de oliveira envolto em lã que os
sálios traziam no alto de seus barretes. Agora voltem a treinar!
O fato é que o Luz obteve uma
série de vitórias brilhantes. E,
mais importante, jogando bonito:
as antecipações, os passes, os chutes, tudo era feito com uma eficiência que beirava a perfeição.
No banco, o técnico sorria:
- O que é, é!
Com tal desempenho, nada
mais natural que o time chegasse
à final do Campeonato de Várzea
de Pirassununga. O adversário foi
o Grêmio Descalvadense.
Naquele dia, no entanto, aconteceu o fato que marcou a história
do futebol do interior. Os mais velhos certamente se lembrarão.
O Luz do Saber vencia por 1 a 0
e estava a dez minutos do título
longamente desejado. Ao fazer
uma defesa, porém, seu goleiro se
chocou contra a trave e perdeu os
sentidos. Aí surgiu o dilema: não
havia outro goleiro no banco, o
reserva imediato amanhecera
com 40 graus de febre.
Mesmo diante de reiterados
apelos, Parmênides não cedeu.
Preferiu deixar o gol vazio a colocar um atleta da linha debaixo
das traves.
- Antes perder o título que
perder a coerência.
Parmênides realmente não perdeu a coerência. Mas perdeu o título. E o emprego.
Conta-se que anos depois, passando por dificuldades, o velho
treinador procurou a diretoria do
Luz em busca de nova chance. A
resposta teve um quê de ironia:
- O que era, era.
R
Rui, alcunhado "O Ruim", foi
um grande médio-volante. Daqueles que não perdem viagem,
daqueles que não têm dó nem
pena. Ele não hesitava em dar
carrinhos por trás, em cuspir
nos olhos dos adversários, em
dar-lhes cotoveladas nos dentes, cabeçadas nos narizes e joelhadas em outros lugares. Rui
era considerado o jogador mais
desleal que já pisou nos gramados da cidade de Bofete e havia
mesmo quem dissesse que era
filho de demônios. Porém, no
final da vida, para surpresa geral, Rui, alcunhado "O Ruim",
criou uma igreja e virou pastor.
Hoje, por alguns generosos trocados, tira encostos, faz curas
milagrosas, promove casamentos e manda almas para o paraíso eterno. Há quem diga que se arrependeu. Há quem diga que
se aprimorou.
E-mail torero@uol.com.br
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