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FUTEBOL
O futebol repete a vida
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Há muitas analogias entre o
esporte e a vida. Por isso, as
empresas, principalmente as
americanas, adoram convidar
pessoas do futebol para darem
palestras aos seus funcionários e
executivos. Por ter sido campeão
do mundo e ser agora um cronista, recebo muitos convites. Recuso
todos.
As empresas confundem as razões e as emoções do esporte com
as experiências pessoais. Querem
criar um manual e um perfil dos
vencedores. Não existe. As experiências não se transmitem. Cada
um faz do seu jeito.
Um jogo de futebol é um espetáculo, uma metáfora da vida. Estão presentes a alegria e a tristeza,
a glória e o ocaso, a razão e a paixão, a ganância e a solidariedade, o invisível e o previsível, o evidente e o contraditório, o real e o
simbólico, a ternura e a agressividade e outras ambivalências que
fazem parte da alma humana.
Nos esportes coletivos e na vida,
todos querem brilhar mais do que
os outros. Muitos aprendem que
só vão se destacar e melhorar de
vida se participarem de um grupo
ou de uma sociedade organizada,
forte e solidária. Por outro lado,
são os talentos individuais que
iluminam o coletivo. Parece contraditório. A vida é contraditória.
O esporte é uma boa analogia
entre razão e paixão. Um grande
jogo precisa ter técnica e emoção.
Para formarmos um grande time
é necessário talento, criatividade,
disciplina tática e garra. Os grandes atletas são sábios e guerreiros.
Quanto mais difícil a partida,
mais Pelé vibrava em campo.
O futebol está tão próximo da
brincadeira e da descontração
quanto da disciplina e da seriedade. Garrincha foi barrado antes
da Copa de 58 porque era considerado uma criança irresponsável. Ele mostrou que o futebol pode ser uma brincadeira séria.
Em qualquer atividade, a base
da criatividade está na brincadeira com seriedade. Craques brincam com a bola; poetas e artistas
brincam com as palavras, as imagens e os sons. O ideal seria brincar com a vida, com responsabilidade e sem sentimento de culpa.
Em um jogo de futebol é muito
estreita a linha divisória entre a
ética, a responsabilidade e a ambição e a busca pela vitória de todas as maneiras. Na emoção de
uma partida, no desejo intenso de
ser um campeão, muitas vezes se
perdem esses limites. Aí, o atleta
dribla a ética. Alguns se arrependem. Assim é também na vida.
As analogias são intermináveis.
Preciso falar também de outras
coisas concretas, chatas para
muitos, como a maneira de jogar
da seleção brasileira.
A festa já acabou
O Brasil voltou a jogar mal. Insisto no posicionamento do Ronaldinho Gaúcho. Ele atuou novamente muito recuado, na meia
direita, marcando no campo do
Brasil, ao lado dos dois volantes e
do Zé Roberto, pela esquerda. Aí
não é o seu lugar. Ronaldinho é
um craque dos pequenos espaços.
Escrevi e disse isso para o Parreira
após a partida contra Portugal,
quando Ronaldinho jogou bem e
foi muito elogiado.
Na Copa, Ronaldinho e Rivaldo
atuaram livres, próximos do Ronaldo. Isso enfraqueceu a marcação no meio-campo do Brasil,
mas confundiu a dos outros times. Com três atacantes excepcionais, valeu a pena ousar.
Muitos vão argumentar, inclusive o Parreira, que os principais
times e seleções do mundo jogam
com a linha de quatro no meio-campo. Por que o Brasil não faria
o mesmo? Acho que esse desenho
tático é o mais equilibrado e eficiente, desde que os dois meias tenham capacidade técnica e física
de defender, apoiar e atacar.
Para o Brasil jogar dessa forma,
Parreira terá de substituir o Ronaldinho Gaúcho ou o Rivaldo
por um meia com essas características, como Juninho Pernambucano, que sempre jogou assim,
no Vasco e na França.
Ronaldinho e Rivaldo não podem fazer essa função, muito menos serem barrados. Os craques
têm preferência. Vale a pena desproteger a marcação e jogar com
os três "erres" adiantados.
O mesmo problema aconteceu
com Raí na Copa de 94. Ele jogou
mal não pelo fato de estar fora de
forma física e técnica ou por ter
problemas existenciais, como disseram. Ele atuou fora de posição,
muito recuado, na meia direita,
como o Parreira quer que jogue o
Ronaldinho. Raí era excepcional
próximo da área adversária.
Este não é o único e nem o principal problema da seleção. O mais
importante é os jogadores perceberem que a festa do penta já acabou. Está na hora de eles entrarem em campo.
E-mail tostao.folha@uol.com.br
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