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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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FUTEBOL

O futebol repete a vida

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Há muitas analogias entre o esporte e a vida. Por isso, as empresas, principalmente as americanas, adoram convidar pessoas do futebol para darem palestras aos seus funcionários e executivos. Por ter sido campeão do mundo e ser agora um cronista, recebo muitos convites. Recuso todos.
As empresas confundem as razões e as emoções do esporte com as experiências pessoais. Querem criar um manual e um perfil dos vencedores. Não existe. As experiências não se transmitem. Cada um faz do seu jeito.
Um jogo de futebol é um espetáculo, uma metáfora da vida. Estão presentes a alegria e a tristeza, a glória e o ocaso, a razão e a paixão, a ganância e a solidariedade, o invisível e o previsível, o evidente e o contraditório, o real e o simbólico, a ternura e a agressividade e outras ambivalências que fazem parte da alma humana.
Nos esportes coletivos e na vida, todos querem brilhar mais do que os outros. Muitos aprendem que só vão se destacar e melhorar de vida se participarem de um grupo ou de uma sociedade organizada, forte e solidária. Por outro lado, são os talentos individuais que iluminam o coletivo. Parece contraditório. A vida é contraditória.
O esporte é uma boa analogia entre razão e paixão. Um grande jogo precisa ter técnica e emoção. Para formarmos um grande time é necessário talento, criatividade, disciplina tática e garra. Os grandes atletas são sábios e guerreiros. Quanto mais difícil a partida, mais Pelé vibrava em campo.
O futebol está tão próximo da brincadeira e da descontração quanto da disciplina e da seriedade. Garrincha foi barrado antes da Copa de 58 porque era considerado uma criança irresponsável. Ele mostrou que o futebol pode ser uma brincadeira séria.
Em qualquer atividade, a base da criatividade está na brincadeira com seriedade. Craques brincam com a bola; poetas e artistas brincam com as palavras, as imagens e os sons. O ideal seria brincar com a vida, com responsabilidade e sem sentimento de culpa.
Em um jogo de futebol é muito estreita a linha divisória entre a ética, a responsabilidade e a ambição e a busca pela vitória de todas as maneiras. Na emoção de uma partida, no desejo intenso de ser um campeão, muitas vezes se perdem esses limites. Aí, o atleta dribla a ética. Alguns se arrependem. Assim é também na vida.
As analogias são intermináveis. Preciso falar também de outras coisas concretas, chatas para muitos, como a maneira de jogar da seleção brasileira.

A festa já acabou
O Brasil voltou a jogar mal. Insisto no posicionamento do Ronaldinho Gaúcho. Ele atuou novamente muito recuado, na meia direita, marcando no campo do Brasil, ao lado dos dois volantes e do Zé Roberto, pela esquerda. Aí não é o seu lugar. Ronaldinho é um craque dos pequenos espaços. Escrevi e disse isso para o Parreira após a partida contra Portugal, quando Ronaldinho jogou bem e foi muito elogiado.
Na Copa, Ronaldinho e Rivaldo atuaram livres, próximos do Ronaldo. Isso enfraqueceu a marcação no meio-campo do Brasil, mas confundiu a dos outros times. Com três atacantes excepcionais, valeu a pena ousar.
Muitos vão argumentar, inclusive o Parreira, que os principais times e seleções do mundo jogam com a linha de quatro no meio-campo. Por que o Brasil não faria o mesmo? Acho que esse desenho tático é o mais equilibrado e eficiente, desde que os dois meias tenham capacidade técnica e física de defender, apoiar e atacar.
Para o Brasil jogar dessa forma, Parreira terá de substituir o Ronaldinho Gaúcho ou o Rivaldo por um meia com essas características, como Juninho Pernambucano, que sempre jogou assim, no Vasco e na França.
Ronaldinho e Rivaldo não podem fazer essa função, muito menos serem barrados. Os craques têm preferência. Vale a pena desproteger a marcação e jogar com os três "erres" adiantados.
O mesmo problema aconteceu com Raí na Copa de 94. Ele jogou mal não pelo fato de estar fora de forma física e técnica ou por ter problemas existenciais, como disseram. Ele atuou fora de posição, muito recuado, na meia direita, como o Parreira quer que jogue o Ronaldinho. Raí era excepcional próximo da área adversária.
Este não é o único e nem o principal problema da seleção. O mais importante é os jogadores perceberem que a festa do penta já acabou. Está na hora de eles entrarem em campo.

E-mail tostao.folha@uol.com.br

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