São Paulo, terça-feira, 04 de agosto de 2009

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JOSÉ ROBERTO TORERO

A mortadela e o grande cozinheiro


Zé Cabala incorpora Tim, renomado cozinheiro e grande treinador do futebol brasileiro e peruano


QUANDO CHEGUEI à casa de Zé Cabala, ele estava de turbante e avental, preparando um sanduíche de mortadela. Antes que cravasse a primeira mordida, eu lhe disse: "Mestre, hoje quero entrevistar um grande treinador."
Sem perder tempo, ele colocou o acepipe de lado e deu três giros que fizeram seu avental voar como uma capa. Quando parou, olhou para o sanduíche com desgosto: "Isso é coisa que se coma? Sabe como é, fui criado pela mãe e tive quatro irmãs. Elas cozinhavam o tempo todo."
"O seu nome é..."
"Elba."
"Uma mulher?"
"Não. Elba de Pádua. O Tim."
"Tim, claro, o grande jogador e técnico!"
"Esse mesmo. Meu pai me deu o nome de Elba porque simpatizou com o nome da ilha onde prenderam o Napoleão."
Depois, enquanto cortava uns pepinos, contou: "Comecei a carreira em 1931, com 15 anos, no Botafogo de Ribeirão Preto. Logo desbanquei o craque do time, o Piquetote. Com 18 anos fui vendido por 500 mil réis para a Portuguesa Santista e fiz muito sucesso. Fui convocado para a Seleção Paulista e fomos campeões." "Daí sua carreira deslanchou?"
"Tive saudade da família e voltei para Ribeirão Preto, mas só fiquei quatro meses. O Fluminense me ofereceu 20 mil mil contos de réis e mais um conto por mês. Aí não resisti. Fiquei oito anos no Tricolor. De 36 a 41 só perdemos o carioca de 40." "E o senhor foi para a Copa de 38, não foi?"
"Fui", falou ao cortar uns tomates. "Mas só pegamos o terceiro lugar. Se eu tivesse jogado a semifinal, contra a Itália, teríamos ido à final."
"Dizem que o senhor era do tipo que pulava a janela da concentração para farrear, é verdade?"
"Só quando a porta não estava aberta."
"E quando virou técnico?"
"Foi em 47, no Olaria. Eu era um técnico-jogador. Quer dizer, dirigia o time e também jogava na meia-esquerda. Depois fiz a mesmo coisa por dois anos no Botafogo de Ribeirão Preto. Sentar no banco, só em 51, no Bangu", disse enquanto jogava umas fatias de provolone na frigideira.
"E se deu muito bem nessa carreira, não é?" "Tive minhas glórias. Foram três títulos cariocas, em 64 com o Fluminense, em 66 com o Bangu e em 70 com o Vasco. E levei a seleção do Peru à Copa de 82. Ah, também fui o primeiro a tentar tirar o Pelé de Bauru. Mas a família não deixou..."
"Dizem que o senhor foi um grande estrategista." "Se dizem, quem sou eu para falar o contrário? O certo é que eu fui o primeiro a usar os botões para explicar a tática para os jogadores."
"Também contam que seu estilo era calmo, não gritava com o time."
"Técnico tem ter é cabeça. Se garganta ganhasse jogo, o Cauby Peixoto era técnico da seleção." "E essa história de cozinhar?"
Ele pegou seu sanduíche de mortadela, que agora tinha pepino, rodelas de tomate e provolone quente, deu uma grande mordida e respondeu de boca cheia: "Sempre gostei de cozinhar. Não é muito diferente de ser técnico. O importante é saber misturar os ingredientes. Quer um pedaço?"

torero@uol.com.br


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