São Paulo, sábado, 04 de novembro de 2006

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JOSÉ GERALDO COUTO

Síndrome de Michael Jackson

Ronaldo é o caso exemplar do jogador-celebridade de nossa época, que vive em uma redoma fechada à vida real

RONALDO ESTÁ triste por ficar no banco e por não contar com a confiança do técnico do Real Madrid, Fabio Capello.
Na última partida do Real pelo Campeonato Espanhol, contra o Gimnástic, Ronaldo se aqueceu à beira do campo por 40 minutos e acabou não entrando. Suprema humilhação para quem já foi chamado de fenômeno e eleito três vezes o melhor futebolista do mundo.
Capello talvez não esteja tratando Ronaldo com o respeito que merece, mas deixá-lo na reserva é uma conseqüência natural do futebol insuficiente que ele vem apresentando.
Num time competitivo, ninguém pode ser escalado só em nome dos serviços prestados ou dos recordes do passado. O mundo do futebol profissional é um mundo cruel.
Ocorre que Ronaldo -e não vai aqui nenhum juízo de valor- é o protótipo do futebolista-celebridade de nosso tempo, alguém que desde o final da adolescência vive cercado de riqueza, de mimos e holofotes, perdendo cada vez mais o contato com o mundo real.
De uma infância de carência material e riqueza de experiências humanas os jovens craques passam em pouco tempo para a situação oposta: abundância material e relações humanas esterilizadas pelo interesse econômico, pela publicidade, pela estridência da mídia.
Faz lembrar a situação de um Michael Jackson, que desde a infância, com a fama trazida por seu enorme talento, passou a viver numa redoma de fantasia, afastado artificialmente da vida real.
Ao ser privado de uma infância "normal", o cantor acabou deixando de crescer, perpetuando um simulacro da infância que só poderia ser perverso e doentio.
A situação de nossos jovens craques é um pouco diferente. Eles tiveram uma infância dura, que talvez queiram esquecer. Ficaram ricos no final da adolescência, adquirindo com isso, em muitos casos, uma sensação de onipotência (para tudo existe Mastercard) cuja contrapartida é uma solidão terrível.
Desde os 18 anos freqüentando capas de revistas e colunas sociais, trafegando entre os ricos e famosos, o jogador já não sabe mais quem é seu amigo de verdade, o que quer de fato aquela bela moça que se insinua para ele, se os companheiros de profissão o admiram ou pretendem puxar seu tapete e se os fãs querem ver o seu sucesso ou beber o seu sangue.
Alguém vai dizer: mas o Pelé também ficou mundialmente famoso aos 17 anos. Sim, mas eram outros tempos. O primeiro carro do Rei foi um fusquinha, e ele não andava pelo mundo cercado por uma corte de empresários, agentes, assessores de imprensa e puxa-sacos em geral.
Não havia redoma.
Maturidade, experiência, relações humanas verdadeiras, confiança, afeto -não há moeda forte ou cartão de crédito que compre essas coisas.
A gente as conquista, se conquista, na várzea esburacada da vida.

RODADA QUENTE
De tanta reclamação de falta de emoção neste Brasileirão, eis uma rodada eletrizante. Além do Gre-Nal e do San-São, que têm efeito direto nas primeiras colocações, Botafogo x Fluminense afeta a luta pela Libertadores e para escapar do rebaixamento, caso semelhante ao de Paraná x Palmeiras. Cruzeiro x Vasco também importa para a Libertadores, e vários jogos vão aliviar ou apertar a corda dos ameaçados: Fortaleza x Goiás, Corinthians x Santa Cruz, Ponte x São Caetano.
Nem vou mencionar a briga pela Sul-Americana. E o mais interessante é que, após o tropeço do São Paulo diante da Ponte, nem o título, que já parecia no papo, está definido. Se o campeonato está fraco, é por falta de jogadores de primeira linha. Ou será que alguém ainda vai insistir na bobagem de que torneio por pontos corridos não tem graça?


jgcouto@uol.com.br

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