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JOSÉ GERALDO COUTO
Síndrome de Michael Jackson
Ronaldo é o caso exemplar do jogador-celebridade de nossa época, que vive em uma redoma fechada à vida real
RONALDO ESTÁ triste por ficar
no banco e por não contar
com a confiança do técnico
do Real Madrid, Fabio Capello.
Na última partida do Real pelo
Campeonato Espanhol, contra o
Gimnástic, Ronaldo se aqueceu à
beira do campo por 40 minutos e
acabou não entrando. Suprema humilhação para quem já foi chamado
de fenômeno e eleito três vezes o
melhor futebolista do mundo.
Capello talvez não esteja tratando
Ronaldo com o respeito que merece,
mas deixá-lo na reserva é uma conseqüência natural do futebol insuficiente que ele vem apresentando.
Num time competitivo, ninguém
pode ser escalado só em nome dos
serviços prestados ou dos recordes
do passado. O mundo do futebol
profissional é um mundo cruel.
Ocorre que Ronaldo -e não vai
aqui nenhum juízo de valor- é o
protótipo do futebolista-celebridade de nosso tempo, alguém que desde o final da adolescência vive cercado de riqueza, de mimos e holofotes,
perdendo cada vez mais o contato
com o mundo real.
De uma infância de carência material e riqueza de experiências humanas os jovens craques passam em
pouco tempo para a situação oposta:
abundância material e relações humanas esterilizadas pelo interesse
econômico, pela publicidade, pela
estridência da mídia.
Faz lembrar a situação de um Michael Jackson, que desde a infância,
com a fama trazida por seu enorme
talento, passou a viver numa redoma de fantasia, afastado artificialmente da vida real.
Ao ser privado de uma infância
"normal", o cantor acabou deixando
de crescer, perpetuando um simulacro da infância que só poderia ser
perverso e doentio.
A situação de nossos jovens craques é um pouco diferente. Eles tiveram uma infância dura, que talvez
queiram esquecer. Ficaram ricos no
final da adolescência, adquirindo
com isso, em muitos casos, uma sensação de onipotência (para tudo
existe Mastercard) cuja contrapartida é uma solidão terrível.
Desde os 18 anos freqüentando capas de revistas e colunas sociais, trafegando entre os ricos e famosos, o
jogador já não sabe mais quem é seu
amigo de verdade, o que quer de fato
aquela bela moça que se insinua para ele, se os companheiros de profissão o admiram ou pretendem puxar
seu tapete e se os fãs querem ver o
seu sucesso ou beber o seu sangue.
Alguém vai dizer: mas o Pelé também ficou mundialmente famoso
aos 17 anos. Sim, mas eram outros
tempos. O primeiro carro do Rei foi
um fusquinha, e ele não andava pelo
mundo cercado por uma corte de
empresários, agentes, assessores de
imprensa e puxa-sacos em geral.
Não havia redoma.
Maturidade, experiência, relações
humanas verdadeiras, confiança,
afeto -não há moeda forte ou cartão
de crédito que compre essas coisas.
A gente as conquista, se conquista,
na várzea esburacada da vida.
RODADA QUENTE
De tanta reclamação de falta de
emoção neste Brasileirão, eis uma
rodada eletrizante. Além do Gre-Nal e do San-São, que têm efeito direto nas primeiras colocações, Botafogo x Fluminense afeta a luta
pela Libertadores e para escapar do
rebaixamento, caso semelhante ao
de Paraná x Palmeiras. Cruzeiro x
Vasco também importa para a Libertadores, e vários jogos vão aliviar ou apertar a corda dos ameaçados: Fortaleza x Goiás, Corinthians
x Santa Cruz, Ponte x São Caetano.
Nem vou mencionar a briga pela
Sul-Americana. E o mais interessante é que, após o tropeço do São
Paulo diante da Ponte, nem o título, que já parecia no papo, está definido. Se o campeonato está fraco, é
por falta de jogadores de primeira
linha. Ou será que alguém ainda vai
insistir na bobagem de que torneio
por pontos corridos não tem graça?
jgcouto@uol.com.br
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