São Paulo, #!L#Sábado, 05 de Fevereiro de 2000


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FUTEBOL
Entre a alegria e o mercado

JOSÉ GERALDO COUTO

Escrevo esta coluna antes da partida Brasil x Chile, e confesso que não tenho prognóstico. Pela lógica, dá Brasil (tem mais time e tradição, joga em casa etc.). Mas a lógica já foi para o espaço faz tempo nesse Pré-Olímpico.
O que nos deixou animados nos dois jogos anteriores do Brasil (contra a Colômbia e a Argentina) foi não apenas a sensível melhora técnica, com a entrada de Edu, Athirson, Lucas e Marcos Paulo, mas principalmente a alegria de jogar que os garotos começaram a mostrar em campo.
Nada daquele time travado e triste dos primeiros jogos.
Chamo a atenção para um detalhe: nas duas partidas, o que motivava o time não era a disposição bélica, vingativa e mal-encarada, tantas vezes pedida pelo treinador e por certa mídia, e sim um autêntico prazer de vencer e fazer gols.
Contra a Colômbia, isso ficou claro. Bastava à seleção vencer por um gol para classificar-se em primeiro do grupo. Em vez de marcar um e segurar o resultado, os garotos continuaram atacando sem descanso. Mesmo depois de conquistar o placar (7 a 0) que eliminaria a Colômbia, persistiu a vontade irresistível de fazer gols.
Esse futebol feito de puro prazer, distante do pragmatismo da "política de resultados", desencadeia na torcida e nos próprios jogadores uma espécie de felicidade plena e pura -como a das crianças que brincam na chuva sem se preocupar com a lama na roupa ou o perigo de um resfriado.
Não é por acaso, e nem por mera deficiência técnica de goleiros e defesas, que as peladas de praia ou de campinho acabam sempre com um placar elevado. Quando a alegria do gol se impõe, é um estimulante mais poderoso que do qualquer doping.
Pode ser que na partida contra o Chile -que vocês, quando lerem estas linhas, já terão visto- esse futebol alegre, utópico e revigorante tenha sumido. Se isso acontecer, será uma grande pena.
  A saída de Rincón do Corinthians e sua provável contratação pelo Santos motivaram vários e-mails de leitores, em sua maioria revoltados com o que julgam ser uma atitude "mercenária" do jogador ou uma jogada antiética do Santos (que estaria, assim, vingando a rasteira que o Corinthians lhe aplicou ao tirar Wanderley Luxemburgo da Vila, há dois anos).
Sem entrar no mérito moral da questão (hoje em dia é difícil delimitar as fronteiras entre profissionalismo e oportunismo), cabe aproveitar o episódio para abordar um assunto mais geral.
A revolta dos torcedores mostra claramente os limites, digamos, emocionais em que esbarra a propalada submissão do futebol às leis do mercado, como um negócio qualquer.
O futebol não sobrevive sem a paixão do torcedor, que sempre sai um pouco arranhada quando fica claro que o frio interesse financeiro hoje pesa mais do que qualquer outro valor, no mundo do esporte e fora dele.
Insisto no tema, já tratado aqui: não é possível administrar os clubes de futebol com a mesma mentalidade tecnocrática e mercantil com que se administra uma fábrica de sabonetes.
Correndo o risco de ser chamado de nostálgico ou defensor indireto da escravidão do passe, ouso dizer que, também para o jogador, nem sempre é bom negócio trocar o clube em que está para ganhar mais em outro.
Olhando a história recente do futebol mundial, constatamos que os craques que mais se deram bem, a longo prazo, foram geralmente os que mudaram pouco de clube e tiraram proveito (financeiro e de realização íntima) da identificação com um time e sua torcida.
  Argel no Palmeiras. Por que ninguém pensou nisso antes? Argel e Felipão foram feitos um para o outro.
  O leitor palmeirense Marco escreveu a vários colunistas de futebol observando que Alex nunca faz gols feios. Isso foi antes do golaço do craque contra a Argentina, na quarta-feira, que só confirmou a regra. Desconfio que a perfeição do gol de Alex deu ânimo ao time para buscar a virada. A beleza, no futebol como na vida, nunca é supérflua.

E-mail jgcouto@uol.com.br


José Geraldo Couto escreve aos sábados e às segundas-feiras

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