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FUTEBOL
Entre a alegria e o mercado
JOSÉ GERALDO COUTO
Escrevo esta coluna antes da
partida Brasil x Chile, e confesso
que não tenho prognóstico. Pela
lógica, dá Brasil (tem mais time e
tradição, joga em casa etc.). Mas a
lógica já foi para o espaço faz tempo nesse Pré-Olímpico.
O que nos deixou animados nos
dois jogos anteriores do Brasil
(contra a Colômbia e a Argentina) foi não apenas a sensível melhora técnica, com a entrada de
Edu, Athirson, Lucas e Marcos
Paulo, mas principalmente a alegria de jogar que os garotos começaram a mostrar em campo.
Nada daquele time travado e
triste dos primeiros jogos.
Chamo a atenção para um detalhe: nas duas partidas, o que
motivava o time não era a disposição bélica, vingativa e mal-encarada, tantas vezes pedida pelo
treinador e por certa mídia, e sim
um autêntico prazer de vencer e
fazer gols.
Contra a Colômbia, isso ficou
claro. Bastava à seleção vencer
por um gol para classificar-se em
primeiro do grupo. Em vez de
marcar um e segurar o resultado,
os garotos continuaram atacando
sem descanso. Mesmo depois de
conquistar o placar (7 a 0) que eliminaria a Colômbia, persistiu a
vontade irresistível de fazer gols.
Esse futebol feito de puro prazer,
distante do pragmatismo da "política de resultados", desencadeia
na torcida e nos próprios jogadores uma espécie de felicidade plena e pura -como a das crianças
que brincam na chuva sem se
preocupar com a lama na roupa
ou o perigo de um resfriado.
Não é por acaso, e nem por mera
deficiência técnica de goleiros e
defesas, que as peladas de praia
ou de campinho acabam sempre
com um placar elevado. Quando
a alegria do gol se impõe, é um estimulante mais poderoso que do
qualquer doping.
Pode ser que na partida contra o
Chile -que vocês, quando lerem
estas linhas, já terão visto- esse
futebol alegre, utópico e revigorante tenha sumido. Se isso acontecer, será uma grande pena.
A saída de Rincón do Corinthians e sua provável contratação
pelo Santos motivaram vários e-mails de leitores, em sua maioria
revoltados com o que julgam ser
uma atitude "mercenária" do jogador ou uma jogada antiética do
Santos (que estaria, assim, vingando a rasteira que o Corinthians lhe aplicou ao tirar Wanderley Luxemburgo da Vila, há
dois anos).
Sem entrar no mérito moral da
questão (hoje em dia é difícil delimitar as fronteiras entre profissionalismo e oportunismo), cabe
aproveitar o episódio para abordar um assunto mais geral.
A revolta dos torcedores mostra
claramente os limites, digamos,
emocionais em que esbarra a propalada submissão do futebol às
leis do mercado, como um negócio
qualquer.
O futebol não sobrevive sem a
paixão do torcedor, que sempre
sai um pouco arranhada quando
fica claro que o frio interesse financeiro hoje pesa mais do que
qualquer outro valor, no mundo
do esporte e fora dele.
Insisto no tema, já tratado aqui:
não é possível administrar os clubes de futebol com a mesma mentalidade tecnocrática e mercantil
com que se administra uma fábrica de sabonetes.
Correndo o risco de ser chamado de nostálgico ou defensor indireto da escravidão do passe, ouso
dizer que, também para o jogador, nem sempre é bom negócio
trocar o clube em que está para
ganhar mais em outro.
Olhando a história recente do
futebol mundial, constatamos que
os craques que mais se deram
bem, a longo prazo, foram geralmente os que mudaram pouco de
clube e tiraram proveito (financeiro e de realização íntima) da
identificação com um time e sua
torcida.
Argel no Palmeiras. Por que ninguém pensou nisso antes? Argel e
Felipão foram feitos um para o
outro.
O leitor palmeirense Marco escreveu a vários colunistas de futebol observando que Alex nunca
faz gols feios. Isso foi antes do golaço do craque contra a Argentina, na quarta-feira, que só confirmou a regra. Desconfio que a perfeição do gol de Alex deu ânimo
ao time para buscar a virada. A
beleza, no futebol como na vida,
nunca é supérflua.
E-mail jgcouto@uol.com.br
José Geraldo Couto escreve aos sábados e
às segundas-feiras
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