São Paulo, #!L#Sábado, 05 de Fevereiro de 2000


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OUTDOORS
Rali da morte vira rali do marketing

Miguel Costa Jr./Divulgação
Carros da equipe brasileira Troller posam na frente de pirâmides na região de Cairo (Egito), no encerramento do rali Dacar



No Dacar, prova mais famosa do planeta, equipes brasileiras têm, nos últimos anos, escolhido integrantes pela exposição de mídia, deixando o aspecto técnico em segundo plano


da Reportagem Local

Acima dos resultados a serem alcançados na competição está sempre a questão promocional.
Com essa estratégia das empresas nacionais envolvidas, a cada ano está se tornando comum a participação no Rali Dacar de brasileiros com qualificação técnica desconhecida ou duvidosa, mas com influência para colocar a marca sob os holofotes da mídia.
Na edição mais recente do mais famoso e perigoso rali do planeta, encerrada há duas semanas, a cearense Troller, fabricante de jipes que montou sua própria equipe, contratou o mais famoso navegador -de mares- do país, Amyr Klink, para ser, em terra, o navegador de um de seus quatro carros pelas savanas e desertos do território africano.
O resultado final do carro de Klink, considerado satisfatório pela direção da Troller -que propagou que, em seu ano de estréia, a principal meta era completar o rali-, foi, no papel, apenas mediano: 53º colocado entre os 95 que completaram a corrida.
Mas o simples anúncio da participação do velejador rendeu várias aparições do jipe T5 da Troller na mídia impressa e eletrônica, mesmo antes do início do rali.
Além disso, o parceiro de Klink no Dacar foi o piloto Cacá Clauset, que até tem currículo -participa há 13 anos de ralis. Mas no convite pesou muito o fato de ele ser jornalista da revista "Quatro Rodas", confirmou o presidente da Troller, Mario Araripe.
"Foi pensando no retorno de imagem que formamos nossa equipe, inclusive com o Cacá e com o Amyr", afirmou Araripe.
Coincidência ou não, na edição da revista que chegou às bancas nesta semana há oito páginas sobre a participação das equipes brasileiras no rali -e, em duas delas, uma entrevista com Klink.
Araripe, satisfeito com a exposição de imagem obtida ("foi uma grande vitrine, nos tornamos mais conhecidos e passamos a ser uma opção no mercado; já recuperamos todo o investimento, e o que vier em vendas será lucro"), não garante a participação da Troller no Dacar-2001. "Hoje, não está clara a nossa posição."

Outros casos
Mas esse não é um caso único de participação de pessoas no Dacar veiculada à exposição mídia.
Em três das quatro últimas edições, incluindo Cacá Clauset na de 2000, pessoas com relação direta com meios de comunicação estiveram na competição.
Em 1997, João Lara Resende, diretor da rádio Eldorado, foi o navegador de Klever Kolberg na primeira vez em que o piloto da equipe BR Lubrax, que desde 1987 corria com uma moto, se embrenhou pelo deserto em um carro.
Essa mudança de veículo também entra no plano de marketing para atrair a atenção dos meios de comunicação. Além de Kolberg, outro veterano na corrida de motos no Dacar, André Azevedo, deixou as origens e passou para a categoria caminhões em 1999.
Dentro do caminhão tcheco da Tatra, a equipe BR Lubrax poderia incluir até três competidores.
Junto com André Azevedo (navegador) e com o tcheco Tomas Tomecek (piloto), a lógica seria estar um mecânico. Mas quem participou foi a jornalista Leilane Neubarth, da TV Globo, praticamente leiga no assunto.
"Foi uma questão promocional, para dar mais visibilidade ao projeto da equipe. Houve maior interesse da Globo na cobertura, com aparições na Sportv, no Fantástico. Além de a Leilane ter sido a primeira mulher sul-americana a participar do rali", declarou Luís Fernando Meinicke, coordenador interino da comissão de esportes a motor da Petrobras.
Em livro recentemente lançado sobre sua participação no rali, Neubarth deixa clara sua falta de intimidade com o caminhão -mostra até certa preocupação, por causa de suas inabilidades, em poder prejudicar o desempenho da equipe na corrida.
Meinicke, da Petrobras, afirmou que neste ano a intenção da BR Lubrax era novamente contar com um jornalista na competição, mas que o convidado, de um jornal carioca, optou por seguir no "comboio da imprensa".
Azevedo e Tomecek acabaram tendo no caminhão um mecânico, o tcheco Petr Vodrak.
Depois da experiência com João Lara Resende, Kolberg optou por um especialista na navegação, o francês Pascal Larroque, e melhorou sua performance nas três edições seguintes do rali.
Ao contrário da Troller, a BR Lubrax assegura que, em 2001, voltará ao Rali Dacar -com a mesma composição de 2000: uma moto, um carro e um caminhão.

Longe da glória
Se supervalorizam a promoção, divulgação e exposição, as equipes brasileiras ainda não responderam à altura nos resultados -e em 2000 a participação nacional foi recorde: 11 competidores a bordo de sete veículos.
Muito contribui para a distância dos times de ponta o equipamento de segunda linha (caso da BR Lubrax) aliado à inexperiência (Troller) dos brasileiros.
Na BR Lubrax, o caminhão foi quarto, piorando uma posição em relação a 1999 -quando teve a jornalista Neubarth e não um especialista em reparos.
Nos carros, o Mitsubishi Pajero de Kolberg ficou na 14ª posição, bem distante dos líderes.
Nas motos, Joaquim Gouveia Rodrigues, o Juca Bala, não completou por causa de problemas mecânicos na sua KTM.
Na Troller, além do 53º lugar de Clauset/Klink, houve a 46ª colocação de Arnoldo Jr. e Galdino Gabriel e a 75ª de Roberto Macedo e Marcos Ermírio de Moraes.
A quarta dupla, Reinaldo Varella e Alberto Fadigatti, capotou no deserto da Líbia e não obteve classificação na prova. Fadigatti, com duas vértebras quebradas, acabou no hospital. Varella ainda conduziu o carro até a linha de chegada.


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