São Paulo, segunda-feira, 05 de outubro de 2009

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ENTREVISTA DA 2ª - ORLANDO SILVA JR.

Erros do Pan deixaram lições para os Jogos de 2016

Planejamento deficiente e rombo no orçamento, tônicas do evento de 2007, não irão se repetir, afirma ministro

JOSÉ EDUARDO MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL



O estouro de orçamento e os erros de planejamento dos Jogos Pan-Americanos de 2007 (veja quadro) não deverão se repetir na Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016. É o que afirmou o ministro do Esporte, Orlando Silva Jr., 38, em entrevista concedida ontem à Folha, após o desembarque em São Paulo. O ministro acena com o investimento do governo federal para a construção de novas instalações olímpicas na capital fluminense, mas continua a negar que vá auxiliar na construção de estádios para a Copa do Mundo, que acontecerá dois anos antes.

FOLHA - A forma como a candidatura da Rio-2016 foi apresentada foi o segredo do sucesso?
ORLANDO SILVA JR.
- Foi uma apresentação perfeita. Tudo que nós tínhamos projetado aconteceu. Mas na minha opinião ganhamos no processo inteiro. A nossa presença em Pequim, durante a Olimpíada, com o presidente Lula fazendo uma agenda forte, também teve um impacto muito forte. As garantias governamentais foram muito sólidas. Além disso, você percebia na conversa com os eleitores como era bem recebido o argumento dos Jogos inéditos na América do Sul.

FOLHA - Qual foi a importância do presidente Lula neste processo eleitoral da Rio-2016?
SILVA JR.
- Definitivamente, o presidente Lula foi a peça-chave. Durante o dia e meio que ficou em Copenhague, ele teve contato direto com pelo menos uns 30 eleitores. Isso eu não tenho a menor dúvida de que teve um impacto decisivo na definição da vitória do Rio de Janeiro.

FOLHA - Quais são as principais diferenças entre as campanhas para receber a Olimpíada de 2012 e a de 2016? Foi o apoio do governo?
SILVA JR.
- Primeiro mudou o Brasil. Se você olhar o Brasil de quatro anos atrás e o país de hoje, vai notar uma mudança substantiva. Uma mudança que é perceptível não só por nós, mas também pela comunidade internacional. O projeto [da Rio-2016] é muitas vezes superior do ponto de vista técnico [em comparação ao de 2012].

FOLHA - O governo federal vai ajudar no financiamento das instalações olímpicas?
SILVA JR.
- O projeto dos Jogos Olímpicos prevê a participação nossa na construção dos equipamentos esportivos, nas arenas, nos estádios.

FOLHA - Quanto deve ser gasto para a Olimpíada?
SILVA JR.
- O orçamento total é de R$ 28,8 bilhões.

FOLHA - O senhor teme que aconteça um estouro do orçamento, como no Pan-Americano?
SILVA JR.
- O Pan-Americano deixou algumas lições. E uma lição central é a de que é necessário planejar detalhadamente cada ação para a realização de um grande evento. Esse orçamento nosso, inclusive, incorporou tudo que é necessário para entregar a cidade pronta para os Jogos Olímpicos. Há investimentos de infraestrutura que já estão em curso. São obras de melhorias de aeroportos, melhoria de portos, obras de saneamento, obras ligadas às questões ambientais. Ou seja, não temo que aconteça o mesmo problema do Pan.

FOLHA - Por que existiram esses problemas no Pan-Americano?
SILVA JR.
- No Pan as dificuldades de orçamento se deram porque uma série de itens não era prevista. É o exemplo que dou da segurança. A segurança para o Pan, na proposta original, era patrimonial das instalações esportivas e não se imaginava como fazer um evento sem ter um esquema especial de segurança. Então, esse planejamento mais forte, mais consistente, é que vai dar segurança à sociedade brasileira. Imprensa e órgãos de controle podem acompanhar muito mais claramente as iniciativas em relação aos Jogos.

FOLHA - O ministério pretende estreitar relações com as confederações das modalidades olímpicas?
SILVA JR.
- Acredito que nós vamos ter que zerar o jogo na relação do governo com as entidades de esportes olímpicos. Rever todos os conceitos. É evidente que o esporte brasileiro não vai começar ou terminar em 2016. Mas é uma plataforma única que nós temos para fazer grande promoção do esporte nacional.

FOLHA - O que fazer de efetivo para difundir modalidades menos conhecidas no país?
SILVA JR.
- Ontem [anteontem] tive uma conversa com o presidente Lula e com o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman. E lá nós definimos, e o Nuzman ficou de acordo, que é preciso fazer um esforço extraordinário pensando em 2016 e daí para frente. Só que eu não posso detalhar agora, antes de fazer uma construção coletiva. Mas é um tema que foi pautado pelo presidente da República, que eu tenho insistido há algum tempo. É preciso estabelecer um sistema de metas.

FOLHA - Quais metas já foram estabelecidas?
SILVA JR.
- Uma meta imediata e que nós temos de acelerar ao máximo é pôr para funcionar o Centro Olímpico de Treinamento, que é um compromisso da candidatura, que vai se basear a partir das instalações existentes na Barra [da Tijuca, na Zona Sul, do Rio de Janeiro].

FOLHA - Há verbas disponíveis para o esporte brasileiro?
SILVA JR.
- No esporte brasileiro, houve um tempo em que o problema gravíssimo era a completa falta de recursos. Hoje, no alto rendimento, num nível de seleções nacionais, há recursos de um lado. De outro lado aprovamos a lei de incentivo ao esporte, que abre também uma oportunidade para a captação de recursos. Hoje, acredito que temos de valorizar muito o tema gestão. É preciso trabalhar mais a gestão, ampliar o profissionalismo. Até discutir certos dogmas. Por que no Brasil é assim, um dirigente esportivo não é profissional? Não pode receber salário? Será que isso corresponde à realidade? Melhor estabelecer um sistema profissional de gestão. Até para você cobrar cada vez mais pelos resultados.

FOLHA - Existem reclamações de algumas confederações do valor repassado pela Lei Piva. O senhor estuda um aumento desta verba?
SILVA JR.
- Desde que o presidente Lula assumiu nós temos ampliado sistematicamente os recursos para o esporte. Hoje, todas as empresas estatais patrocinam alguma modalidade.

FOLHA - Mas o senhor é favorável ao aumento do repasse da verba oriunda da Lei Piva?
SILVA JR.
- Não seria favorável a aumentar o percentual [de 2% da verba oriunda das loterias], além do que já está na mesa de debate, que é um percentual [0,5%] que seria repassado ao Conselho de Clubes Formadores de Atletas Olímpicos (Confao). Mais prejudica a loteria e pode ser um tiro no pé.

FOLHA - O senhor teme que sejam criados "elefantes brancos" com os Jogos Olímpicos?
SILVA JR.
- É preciso ter inteligência na preparação dos Jogos Olímpicos. Inclusive é necessário trabalhar o legado, paralelamente à ação da Olimpíada, porque não dá para esperar 2016 para pensar o que será feito com as instalações. Em alguma medida, foi um outro erro do Pan. Diria que é preciso ter inteligência no trabalho destas instalações levando-se em conta a utilização social.

FOLHA - O quanto é prejudicial ou favorável a realização da Copa dois anos antes da Olimpíada do Rio?
SILVA JR.
- O COI entendeu a nossa mensagem que a Copa do Mundo é um certificado de garantia que o Brasil dá de que muitos desafios do Rio de Janeiro serão superados. Porque nós temos que ter o aeroporto internacional Tom Jobim novinho em folha funcionando com capacidade de operação adequada já em 2014.

FOLHA - O governo não vai financiar nenhum estádio para a Copa?
SILVA JR.
- O orçamento do governo federal, do Tesouro, não tem previsão de recursos para a construção ou reforma de estádios para a Copa do Mundo. Muitas cidades nos procuraram para falar das dificuldades, da crise internacional e que parceiros privados recuaram. E o que ficou pautado por nós foi estruturar algum modelo de financiamento. Estimulamos o BNDES a estruturar esse modelo de financiamento.

FOLHA - Uma dívida do governo estadual com o BNDES não pode se transformar em uma dívida do governo federal?
SILVA JR.
- Não, porque o governo do Estado tem as suas fontes de receita, faz as suas opções de investimento. É um gasto autônomo, um gasto definido por um ente que tem autonomia.

FOLHA - Quais são as dificuldades para receber a Olimpíada?
SILVA JR.
- Tem o desafio imediato de um compromisso firmado com o COI que é constituir uma autoridade pública olímpica. Criar uma instituição que vai reunir os três níveis de governo. Nunca existiu isso no Brasil. Nós temos defendido a criação na forma de um consórcio público, com a participação do Estado e da cidade do Rio de Janeiro e da União Federal, que vai ter a atribuição de entregar todas as obras, as instalações e os serviços para o COI. Seguindo um pouco o modelo estabelecido em Londres.

FOLHA - O senhor não acha que foi gerado um ufanismo exacerbado com a escolha do Brasil para sede da Olimpíada e da Copa?
SILVA JR.
- Não, não acho. Penso que o governo tem que agir consciente dos desafios que tem em suas mãos.

FOLHA - O senhor acha que o Brasil pode ser visto no cenário internacional de outra maneira com a realização destes eventos?
SILVA JR.
- A Copa e a Olimpíada são duas grandes plataformas de promoção. Então o novo Brasil vai aparecer para o mundo, com a Copa e a Olimpíada. O Lula já ocupa um espaço importantíssimo pela sua liderança e carisma. Mas essa agenda, tenho certeza, vai elevar o patamar de projeção do país. Talvez seja a plataforma de lançamento do Brasil para o século 21.

FOLHA - O senhor vai deixar o ministério para se candidatar nas próximas eleições?
SILVA JR.
- O meu partido [PC do B] pediu que eu me preparasse para ser candidato, só que esse é um assunto que não está definido ainda. Até avisei o presidente Lula, que pediu para a gente conversar depois que ele voltasse da Europa.


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