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FUTEBOL
Entre o céu e o inferno
TOSTÃO
Desde a infância e por toda a vida, somos bombardeados, cobrados e estimulados a fazer escolhas
definitivas. Temos que decidir entre o bem e o mal, o certo e o errado, a verdade e a mentira, o moral
e o imoral, entre o Atlético-MG e o
Cruzeiro (na minha infância era
o América-MG), entre o socialismo e o capitalismo, a favor ou
contra o neoliberalismo, a globalização etc.
A vida e alguns livros nos ensinam que não é bem assim. Não
tem que ser uma coisa ou outra.
Os extremos são preconceituosos e
indesejáveis. Toda verdade tem
várias faces. No inconsciente de
um moralista pode existir um
grande perverso. Todo ser humano é ambivalente e cheio de tentações e pecados. Não confunda essa
incerteza com ficar em cima do
muro. Até o governo tem bons
momentos, como a liberação dos
remédios genéricos (por que somente seis e tão demorados?).
Tudo é relativo. Jogadores e técnicos vão aos extremos. Alex se
transforma frequentemente de
um jogador ""desligado" a um craque. Seu gol contra a Argentina,
assim como a música de Ivan
Lins, nos lembra de que a vida e o
futebol podem ser maravilhosos.
Alex não é apático. É o jeito dele.
É um jogador de poucas, mas de
grandes jogadas.
Ronaldinho passou do céu
-pelo gol contra a Venezuela na
Copa América- ao inferno no
Campeonato Brasileiro e retornou ao céu no Pré-Olímpico. Não
passou pelo purgatório. Quando
estava no período ruim, foi rotulado como um craque inventado
por uma imprensa deslumbrada.
Esqueceram que ele foi o melhor
jogador do Mundial sub-17 e do
Grêmio no Campeonato Gaúcho
de 99 (aplicou chapéus antológicos no Dunga). Ronaldinho não se
tornou um excepcional jogador
por uma única jogada. Ele é uma
realidade e tem grandes chances,
ao lado de Alex, de também brilhar na seleção principal.
A equipe pré-olímpica, de ruim
no início do torneio, transformou-se numa maravilhosa. Se o time
brasileiro ganhar a medalha de
ouro em Sidney e classificar-se para a Copa-2002 -conquistas esperadas-, Luxemburgo não será
o melhor técnico do mundo. Se
perder, não será o pior. Ele já mostrou que é um excelente técnico.
Se o Brasil ganhar o Mundial e
encantar a planeta, aí sim, Luxemburgo será escolhido como o
melhor do planeta. Seus amigos e
admiradores já o escolheram, antes do início do Pré-Olímpico.
Em princípio, não devemos ser
contra nem a favor de ninguém.
Não posso ser amigo e crítico ao
mesmo tempo. Temos que analisar os fatos. Nada mais.
No futebol e na vida, o acaso é
tão importante quanto o esperado. Existem teorias de que o caos e
o acaso têm também uma lógica.
Quem não planejou uma conquista amorosa e de repente estava fascinado por outra mulher?
Quem não desejou um emprego e,
subitamente, arrumou outro muito melhor ou pior? As coisas não
esperadas se tornam muito mais
interessantes e importantes.
Estou lendo um livro delicioso e
interessante sobre esse assunto,
""Momentos Decisivos da Humanidade", de Stefan Zuveig, que
diz: ""Um único sim, um único
não, um muito cedo, ou muito
tarde tornam esse instante irrevogável para centenas de gerações e
determinam a vida de um indivíduo, de um povo e até mesmo o
curso e o destino de toda a humanidade".
No futebol, o acaso é ainda mais
frequente. Na convocação da seleção brasileira para a Copa América, no ano passado, Ronaldinho
só foi chamado após a dispensa de
Edílson, afastado por motivos disciplinares. Foi aí que descobriram
o garoto (Luxemburgo estava
atento), apesar de a história de
Ronaldinho ser muito mais longa.
Na Copa de 70, Marco Antônio
vacilou próximo da estréia, e o
saudoso Everaldo tomou seu lugar. Eu somente tive coragem de
dar aqueles dribles antes do gol do
Jairzinho contra a Inglaterra, porque o Roberto se preparava para
entrar no meu lugar. Era minha
última chance. Não podia desperdiçá-la.
No Mundial de 94, Aldair e
Márcio Santos somente fizeram
uma dupla espetacular de zagueiros porque o Mozer, Ricardo Gomes e Ricardo Rocha se contundiram. Se o Leonardo não tivesse sido expulso contra os EUA, Branco, seu substituto, não teria feito o
gol da vitória contra a Holanda.
No Pré-Olímpico, Lucas e Edu,
titulares da equipe, também só foram chamados depois da saída de
Denílson, por problemas burocráticos, e de Roni, por contusão. A
fratura de Fábio Aurélio facilitou
a escalação de Athirson.
O planejamento é uma das qualidades do técnico Luxemburgo,
mas o acaso tem lhe dado uma
boa mãozinha.
E-mail tostao.folha@uol.com.br
Tostão escreve aos domingos e às quartas
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