São Paulo, #!L#Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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FUTEBOL
Entre o céu e o inferno

TOSTÃO

Desde a infância e por toda a vida, somos bombardeados, cobrados e estimulados a fazer escolhas definitivas. Temos que decidir entre o bem e o mal, o certo e o errado, a verdade e a mentira, o moral e o imoral, entre o Atlético-MG e o Cruzeiro (na minha infância era o América-MG), entre o socialismo e o capitalismo, a favor ou contra o neoliberalismo, a globalização etc.
A vida e alguns livros nos ensinam que não é bem assim. Não tem que ser uma coisa ou outra. Os extremos são preconceituosos e indesejáveis. Toda verdade tem várias faces. No inconsciente de um moralista pode existir um grande perverso. Todo ser humano é ambivalente e cheio de tentações e pecados. Não confunda essa incerteza com ficar em cima do muro. Até o governo tem bons momentos, como a liberação dos remédios genéricos (por que somente seis e tão demorados?).
Tudo é relativo. Jogadores e técnicos vão aos extremos. Alex se transforma frequentemente de um jogador ""desligado" a um craque. Seu gol contra a Argentina, assim como a música de Ivan Lins, nos lembra de que a vida e o futebol podem ser maravilhosos. Alex não é apático. É o jeito dele. É um jogador de poucas, mas de grandes jogadas.
Ronaldinho passou do céu -pelo gol contra a Venezuela na Copa América- ao inferno no Campeonato Brasileiro e retornou ao céu no Pré-Olímpico. Não passou pelo purgatório. Quando estava no período ruim, foi rotulado como um craque inventado por uma imprensa deslumbrada. Esqueceram que ele foi o melhor jogador do Mundial sub-17 e do Grêmio no Campeonato Gaúcho de 99 (aplicou chapéus antológicos no Dunga). Ronaldinho não se tornou um excepcional jogador por uma única jogada. Ele é uma realidade e tem grandes chances, ao lado de Alex, de também brilhar na seleção principal.
A equipe pré-olímpica, de ruim no início do torneio, transformou-se numa maravilhosa. Se o time brasileiro ganhar a medalha de ouro em Sidney e classificar-se para a Copa-2002 -conquistas esperadas-, Luxemburgo não será o melhor técnico do mundo. Se perder, não será o pior. Ele já mostrou que é um excelente técnico. Se o Brasil ganhar o Mundial e encantar a planeta, aí sim, Luxemburgo será escolhido como o melhor do planeta. Seus amigos e admiradores já o escolheram, antes do início do Pré-Olímpico.
Em princípio, não devemos ser contra nem a favor de ninguém. Não posso ser amigo e crítico ao mesmo tempo. Temos que analisar os fatos. Nada mais.
  No futebol e na vida, o acaso é tão importante quanto o esperado. Existem teorias de que o caos e o acaso têm também uma lógica.
Quem não planejou uma conquista amorosa e de repente estava fascinado por outra mulher? Quem não desejou um emprego e, subitamente, arrumou outro muito melhor ou pior? As coisas não esperadas se tornam muito mais interessantes e importantes.
Estou lendo um livro delicioso e interessante sobre esse assunto, ""Momentos Decisivos da Humanidade", de Stefan Zuveig, que diz: ""Um único sim, um único não, um muito cedo, ou muito tarde tornam esse instante irrevogável para centenas de gerações e determinam a vida de um indivíduo, de um povo e até mesmo o curso e o destino de toda a humanidade".
No futebol, o acaso é ainda mais frequente. Na convocação da seleção brasileira para a Copa América, no ano passado, Ronaldinho só foi chamado após a dispensa de Edílson, afastado por motivos disciplinares. Foi aí que descobriram o garoto (Luxemburgo estava atento), apesar de a história de Ronaldinho ser muito mais longa.
Na Copa de 70, Marco Antônio vacilou próximo da estréia, e o saudoso Everaldo tomou seu lugar. Eu somente tive coragem de dar aqueles dribles antes do gol do Jairzinho contra a Inglaterra, porque o Roberto se preparava para entrar no meu lugar. Era minha última chance. Não podia desperdiçá-la.
No Mundial de 94, Aldair e Márcio Santos somente fizeram uma dupla espetacular de zagueiros porque o Mozer, Ricardo Gomes e Ricardo Rocha se contundiram. Se o Leonardo não tivesse sido expulso contra os EUA, Branco, seu substituto, não teria feito o gol da vitória contra a Holanda.
No Pré-Olímpico, Lucas e Edu, titulares da equipe, também só foram chamados depois da saída de Denílson, por problemas burocráticos, e de Roni, por contusão. A fratura de Fábio Aurélio facilitou a escalação de Athirson.
O planejamento é uma das qualidades do técnico Luxemburgo, mas o acaso tem lhe dado uma boa mãozinha.



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