São Paulo, terça-feira, 06 de junho de 2006

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Seleção natural

Dirigentes ligam sinal de alerta em Copa na qual 23 dos 32 países têm naturalizados no elenco

"Estrangeiro" em seleções aumenta e já preocupa Fifa

GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADO ESPECIAL A MUNIQUE

Exatos quatro anos atrás, "mamãe" nem sonhava ser a figura destoante da foto acima. Com seus amigos adolescentes, ele acompanhou os jogos da última Copa em um bar de Port Vale, cidade inglesa onde nasceu. Hoje, todavia, tudo o que quer é fazer um gol no jogo que disputará contra a Inglaterra no dia 15, em Nuremberg. "Mamãe" é o apelido de Chris Birchall, 22, o primeiro branco a integrar o elenco nacional de Trinidad e Tobago em 60 anos. Tal façanha começou a ser escrita apenas em 2005, após um jogo pela terceira divisão do Campeonato Inglês. Birchall foi procurado por um jogador tobaguiano do adversário. Ele buscava confirmar se a mãe do inglês havia realmente nascido em Trinidad e Tobago. A reposta afirmativa desencadeou rápida reação. Menos de um mês depois, dirigentes do país caribenho procuraram Birchall oferecendo vaga na seleção em caso de naturalização. Ele aceitou. Dali em diante, ganhou a alcunha de "mamãe", a vaga na Copa e a possibilidade de enfrentar seu país natal. "Fiquei um pouco inseguro no início, não apenas porque sou branco mas também porque sou inglês. Por sorte, tudo saiu bem", festeja Birchall. Longe de ser uma exceção, sua biografia apenas mostra que a miscigenação do futebol ganhou novos contornos antes da Copa do Mundo alemã. A extensa lista de 64 jogadores que vão defender países diferentes dos quais nasceram -em 2002, eram 43- revela que o "boom" de naturalizados entre os 736 atletas da Copa não está mais relacionado ao garimpo que as potências realizam em suas ex-colônias ou às inerentes mudanças de nacionalidade oriundas de transformações da Europa Oriental. Agora, o fenômeno é global. Só 9 dos 32 elencos que vão ao torneio não possuem forasteiros no grupo -entre eles está o Brasil. Seleções de pouca tradição, como Togo, Gana, EUA, Costa Rica e Irã, que costumavam só fornecer mão-de-obra para outros países, agora contam com "importações". O caso já chama a atenção da Fifa. Ontem, em Munique, Joseph Blatter, presidente da entidade, disse que vai debater o tema em um congresso que começa amanhã. "Estamos perdendo controle sobre as transferências internacionais e sobre a ação dos empresários, que dominam os mercados. Aí eles fazem o que bem entendem." A legislação atual para o setor não é restritiva e estabelece três situações para tais transferências. O jogador consegue vaga na nova seleção se: 1) nasceu no território em questão; 2) tem pai, mãe ou avós biológicos nascidos no local e 3) residiu por pelo menos dois anos seguidos no lugar. Com tantas brechas, casos pitorescos pululam, como o que ocorre no Irã. A forte identidade nacional não impediu os cartolas de lutarem para colocar no escrete um alemão. Fereydoon Zandi nasceu em Emden, chegou a ser convocado para as categorias de base da seleção local e defende um clube alemão -o Kairserslautern. Em sua ficha, o Irã só aparece como país natal de seu pai. Foi, porém, motivo suficiente para o assédio começar. Após quase um ano de negociações com a federação, Zandi aceitou defender a pátria dos aiatolás no início de 2005. Estreou pouco depois, em fevereiro, num embate com o Bahrein, em Teerã. "Fui bem recebido. A torcida gritava tanto que não conseguia ouvir a minha voz", contou, na época. Eterno manancial de atletas para outras seleções, o Brasil vai ceder cinco neste ano, dos quais Marcos Senna é o que mais tem motivos para festejar. Na última convocação para a seleção espanhola, ele era tido como azarão. No entanto ganhou a vaga. "Percebi que minhas chances seriam mínimas no Brasil. Como já havia obtido nacionalidade, optei pela transferência", explica à Folha. Apesar de manifestações racistas ou de repúdio serem comuns com estrangeiros na nova seleção, o brasileiro diz não correr riscos. "Fui bem recebido. Tenho um grupo unido e acho que podemos chegar ao menos até às quartas-de-final."


Colaboraram FÁBIO TURA , do Datafolha, e MARIANA BASTOS , da Reportagem Local

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