São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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céu cinza

A 33 dias, Pequim só não controla o ar

Em entrevista, porta-voz dos Jogos mostra convicção de que Olimpíada será tranqüila, mas admite receio com poluição

"Todos devem pagar o preço quando se faz algo que infringe a lei de um país", diz chinesa, sobre eventuais protestos de visitantes


Teh Eng Koon - 9.jun.2008/France Presse
Árvore plantada no Parque Olímpico, parte do pacote do governo chinês para tentar reduzir o nível de poluição da capital chinesa

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

A poluição do ar é o maior desafio que o comitê organizador enfrenta na preparação para os Jogos Olímpicos de Pequim.
Na sua primeira entrevista exclusiva para a imprensa brasileira, a diretora de comunicações e porta-voz do comitê organizador, Wang Hui, afirmou à Folha que a qualidade do ar estará muito melhor durante os Jogos, mas não escondeu o receio. A abertura da Olimpíada acontece em 8 de agosto.
Ela diz que turistas e atletas terão que obedecer às leis da China, mas não é clara sobre as punições aos visitantes que fizerem qualquer manifestação a favor dos direitos humanos ou da independência do Tibete.
Quanto ao nacionalismo do país, com longo histórico de protestos violentos contra rivais, diz que "está sob controle" e que o governo vai garantir que todos sejam bem-vindos. Ex-apresentadora do telejornal da emissora Beijing TV e diretora do Escritório de Informação da capital, Wang não pratica nenhum esporte, mas gosta de assistir a ginástica, patinação e tênis de mesa.

 

FOLHA - A apenas um mês da Olimpíada, Pequim continua tão poluída como sempre, apesar de todos os investimentos. Onde Pequim falhou?
WANG HUI
- Quando levanto de manhã, algumas vezes me pergunto por que o tempo continua o mesmo [passa a mão no rosto, como se estivesse limpando uma lágrima e faz gesto de choro]. Mas o clima de Pequim é o mesmo do Sul da China, então esse céu escuro não é completamente causado pela poluição, a qualidade do ar pode melhorar. Não há outra cidade no mundo que tenha gasto tanto, que tenha feito tanto para lidar com a poluição como Pequim. Tiramos fábricas do meio da cidade, fechamos outras... Gastamos muito dinheiro e pelo menos dez anos nisso.

FOLHA - E se não melhorar?
WANG
- Nos próximos dias, Pequim tomará medidas extremas para melhorar o ar. Teremos o rodízio de placas com final par e final ímpar, que vai tirar mais da metade da frota das ruas. Fecharemos todas as obras, e prédios em construção serão paralisados. E várias Províncias vizinhas, como Shanxi, Tianjin, Hebei, Shandong e a Mongólia Interior, vão cooperar e fazer o mesmo. Estamos fazendo o que é possível, agora só resta esperar que melhore de uma vez [aponta para o céu].

FOLHA - Qual é a maior preocupação do comitê organizador agora?
WANG
- Agora é hora de se certificar de que todos os detalhes estejam verificados e perfeitos. E o clima com certeza é uma grande preocupação.

FOLHA - Há alguma campanha para evitar que atletas de países com rivalidade histórica com a China, como o Japão, sejam hostilizados ou vaiados pelos chineses nos estádios?
WANG
- Nós investimos nesse tipo de educação nos últimos dois anos para tentar evitar sentimentos nacionalistas. Suponho que atletas de qualquer país serão bem-vindos por nossos cidadãos. É responsabilidade do governo chinês ensinar os cidadãos a se comportarem e a mudarem seus maus hábitos.

FOLHA - Mas o nacionalismo é forte na China, até com campanhas contra outros países...
WANG
- O nacionalismo está sob controle.

FOLHA - O que pode acontecer a um turista que decida fazer uma manifestação, andar com um cartaz ou uma camiseta pró direitos humanos na China ou pela independência do Tibete? Mesmo que não seja num estádio, pode ser preso?
WANG
- A Olimpíada é uma festa que todo mundo celebra. As pessoas não deveriam vê-la como um palco para protestos políticos. Eu vi, por exemplo, que extremistas foram presos pela polícia na Eurocopa, que terminou agora. A China tem suas leis, e nós devemos recorrer a elas quando as coisas acontecem. Não sou advogada nem entendo de leis, então não sei o que pode resultar quando algum protesto ocorrer. Mas acho que todos devem pagar o preço quando se faz algo que infringe a lei de um país.

FOLHA - A senhora não acha que os vídeos e os cartazes ensinando os chineses a torcer e que gestos seguir tiram a espontaneidade do público?
WANG
- Não vamos impedir a reação espontânea do público. A idéia de produzir o vídeo foi mais para servir de guia em como criar uma atmosfera melhor e mais alegre durante os Jogos. Não queríamos que o público ficasse muito quietinho ou silencioso. Mas não é uma ordem seguir as palmas e os braços estendidos [gesticula e mostra os gestos do vídeo]. Quando Yao Ming fizer uma cesta ou os brasileiros marcarem um gol no futebol, cada um vai celebrar do seu jeito.

FOLHA - Os chineses ainda praticam pouco esporte. O que fazer para que o cidadão chinês comum aprecie vários esportes dos quais não têm a menor idéia do que são?
WANG
- O governo chinês fez grandes esforços para incentivar o público nos esportes. Esportes não são como uma pirâmide onde o futebol está no topo. Há vários esportes importantes de que os chineses gostam. Nós organizamos 46 competições como teste e os estádios estavam cheios de espectadores. Os chineses vão aos estádios como uma oportunidade para contribuir com o fortalecimento da Olimpíada.

FOLHA - No ano passado, atletas cubanos desertaram de sua delegação no meio do Pan-Americano do Rio. O que a China fará caso atletas, por exemplo, da Coréia do Norte, decidirem desertar em Pequim?
WANG
- Alguns atletas podem tratar a Olimpíada como uma oportunidade para realizar seus pedidos. Mas a Carta Olímpica estipula como lidar com essas coisas. O comitê organizador irá discutir primeiro com o Comitê Olímpico Internacional e tomar as decisões de acordo com o que a legislação olímpica estipular. Queria aproveitar a ocasião para dizer aos atletas que a Olimpíada é um palco para eles demonstrarem seus talentos. Por favor, tratem com carinho a oportunidade de participar.

FOLHA - Barcelona usou a Olimpíada para se renovar, melhorar sua infra-estrutura e mudar sua imagem no mundo. Qual será o legado dos Jogos de Pequim para os chineses?
WANG
- Eu acho que os Jogos de Pequim farão ainda mais para seus cidadãos que as Olimpíadas anteriores. A maior parte dos ginásios e estádios foi construída em bairros e em universidades e será usada após os Jogos pelos cidadãos. O metrô de Pequim chegará a 200 quilômetros quando a Olimpíada começar. Tinha apenas cem quilômetros antes, então dobrou. E as pessoas continuam pagando apenas 2 yuans para andar de metrô (R$ 0,50).

FOLHA - Pequim é a primeira cidade do mundo em desenvolvimento a abrigar a Olimpíada desde Cidade do México-1968. O que sugere para o Rio vencer a disputa por 2016?
WANG
- Desejo boa sorte. Não foi fácil para Pequim conseguir abrigar a Olimpíada. Nós nos candidatamos duas vezes e começamos a pensar em medalhas de ouro e em ser a cidade-sede dos Jogos há muito tempo.
China e Brasil compartilham muitas similaridades e um grande amor pelos esportes. Os brasileiros são muito bons no futebol, estão no topo do mundo, o que deixa os chineses com muita inveja. Além do espírito olímpico, é bom ter apoio popular: 97% dos chineses, 1,3 bilhão de pessoas, apóiam a realização da Olimpíada de Pequim.


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