São Paulo, quarta-feira, 06 de agosto de 2008

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TOSTÃO

Vai começar o espetáculo


Os ideais olímpicos do barão Pierre de Coubertin estão cada dia mais distantes da realidade atual do esporte

SEREI UM entre os mais de 4 bilhões de pessoas que deverão assistir à Olimpíada de Pequim, mesmo que alguns vejam apenas um jogo de badminton. Mas só vou acordar de madrugada para acompanhar as partidas de futebol, masculino e feminino, que terão início hoje de manhã.
Para o barão Pierre de Coubertin, os Jogos Olímpicos teriam funções educativas, morais e de união dos povos. Com a profissionalização do esporte e o predomínio da sociedade do espetáculo, os esportes e os grandes atletas se tornaram também importantes produtos de consumo. A mídia contribui para isso.
Os atletas de alto rendimento representam o mito do herói, presente no imaginário de todas as pessoas. Para serem consumidos, suas vidas privadas se tornaram também públicas e glamourizadas. São endeusados, muitas vezes antes de se tornarem heróis. Se fracassarem, eles são logo substituídos.
Nunca acreditei, nem quando jogava, que o esporte profissional seja uma ótima maneira de aprender e/ ou de desenvolver os valores morais.
Cada vez mais, as pessoas querem ser mais admiradas que amadas. Nessa busca obsessiva por reconhecimento, glória e dinheiro, alguns atletas utilizam meios ilícitos, antiéticos e a até se dopam para vencer, mesmo correndo grandes riscos de serem flagrados e punidos.
Se na rotina da vida, com tempo para pensar e racionalizar, muitas pessoas tentam levar vantagem em tudo, imagine o que pode fazer um atleta, na emoção de uma partida, na disputa por títulos, troféus, dinheiro e fama, e ainda tendo que decidir, em uma fração de segundo, o que é ou não correto.
Como não devo ter sido claro para alguns jornalistas, volto ao assunto da recuperação de Ronaldinho. É óbvio que ele está motivado. Essa palavra se tornou um lugar-comum para explicar tudo.
A dificuldade para Ronaldinho voltar a jogar tão bem quanto antes é muito mais que motivação. Ele e outros craques são preparados, desde o início de suas carreiras, para atuarem no máximo, no limite de suas possibilidade técnicas e físicas. Ganham muita massa muscular e, com o tempo, aparecem as tendinites, como ocorreu com os dois Ronaldos e agora com Kaká.
Os craques sofrem ainda muita pressão para jogar sempre bem. Além disso, tornam-se celebridades e passam a ter milhões de compromissos sociais e comerciais.
É muito difícil ser uma celebridade e manter o esplendor técnico e físico por muito tempo. Muitos se tornam mais celebridades que atletas. Os que querem ser apenas grandes atletas não conseguem. A sociedade do espetáculo não permite.
A pressa em escalar Ronaldinho, depois de ficar quatro meses sem jogar, e a preocupação em exaltá-lo como grande astro da seleção olímpica atendem a vários interesses.
Ronaldinho é garoto-propaganda de muitos produtos comerciais, e sua presença vai aumentar a audiência do futebol. Ele, que estava apagado, voltou a ser estrela. Dunga ganhou um reforço, mesmo se não brilhar intensamente. A CBF também ganha com tudo isso.
Tomara que todos esses interesses ajudem na recuperação técnica de Ronaldinho, que é o que queremos ver. Ou isso é apenas um detalhe sem importância?


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