São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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SURFE

Filho de libaneses, Jihad Khodr, 21, precisa de um 25º lugar em duas etapas da segunda divisão para alcançar o feito

Brasileiro deve ser 1º muçulmano na elite

MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS

Jihad. O nome forte impressiona e desperta curiosidade. A ligação improvável com um esporte como o surfe também.
Mas, a partir de 2006, essa combinação deve aparecer pela primeira vez na elite do esporte. Sob a bandeira do Brasil. Jihad Khodr, brasileiro, 21, filho de libaneses, está prestes a se tornar o primeiro muçulmano a disputar o WCT, divisão principal do surfe.
Para isso, precisa do 25º lugar em uma das duas últimas etapas havaianas do WQS, classificatório do WCT, para não depender dos resultados dos adversários. Seria seu pior desempenho no ano.
"É um sonho realizado. Ainda não caiu a ficha. Só tenho de agradecer muito", afirma Jihad, que compete pela primeira vez na elite, como convidado, em Florianópolis. Ele deve disputar hoje a repescagem, em Imbituba. Ontem, o torneio foi adiado pelo quarto dia consecutivo.
O paranaense de Matinhos começou a surfar aos 12 anos, escondido da família, que não via com bons olhos os surfistas. Tornou-se profissional aos 16, com a ajuda do conterrâneo Peterson Rosa.
A precocidade fez Jihad se aventurar cedo em ondas fora do Brasil. Aprendeu inglês, hoje fluente, e fez amigos pelo mundo.
O fato de ser muçulmano sempre chamou atenção, mas nunca havia lhe rendido problemas até os atentados do 11 de Setembro.
Em 2002, Jihad, que ostentava cabelos e barba longos, foi barrado na entrada nos EUA. Gastou mais de seis horas para ser liberado. O visual que lhe causou problemas rendeu o apelido de Bin Laden, dado por amigos do tour.
A brincadeira virou inspiração para o vídeo que Jihad quer gravar com suas manobras. A idéia é filmar o surfista nas pouco comentadas ondas de Nova York.
Se a religião não atrapalha seu surfe, o mesmo não ocorre na mão contrária. Por causa do estilo de vida, Jihad não segue estritamente o islamismo. Autodefine-se como "muçulmano light" e até consome cerveja às vezes.
Sua relação com o assunto não é muito diferente da mantida por seus companheiros do circuito.
O único grupo que usa o esporte também para difundir idéias é o dos "Surfistas de Cristo", movimento semelhante ao do futebol.
"A gente viaja muito, tem de competir, fica complicado. Mas todos que acreditam em alguma coisa têm sua hora de agradecer, de pedir proteção. Eu agradeço a Deus todos os dias", diz Jihad.
Seu nome, que quer dizer "esforço" e tem conotação de "guerra santa". O lado do guerreiro inspirou seu batismo e sua atuação neste ano. Mas ironicamente, o surfista teve de aprender a batalhar para alcançar a elite.
"As pessoas dizem que eu sou muito artista. Ficava esperando a onda perfeita e morria sentado na prancha. Se não surfo bem, fico chateado, mesmo se ganho."
No WQS, o perfeccionismo de Jihad atrapalha. Boa parte do circuito é disputado em ondas pequenas, nem sempre em boas condições. Além disso, a quantidade de atletas é grande. Por isso, quanto mais vezes o surfista se apresentar, mais chances terá.
A situação é diferente da do WCT, em que é mais fácil ter atuações de gala -as ondas são geralmente as melhores do mundo.
"Amadureci muito. Aprendi a ser mais competitivo. Isso será importante agora", completa.


A jornalista Mariana Lajolo viaja a convite da Associação dos Surfistas Profissionais

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